Opinião

[1700 Km e 67h até Ulan-Bator] – Miguel Jeri

Saímos por volta das 20h de Bayan-Olgiy, em direcção a Khovd, aproveitando os últimos raios de sol ao longo dos primeiros 70Km, asfaltados. À nossa direita, o lago Tolbo relectia as pálidas cores do ocaso. Por volta das 21h – e com a noite a cair – chegámos ao ponto temido: aquele onde a estrada acabava. Daí para a frente estendiam-se, solitários, mais de 300Km de terra batida até Khovd, a próxima cidade. Até lá, apenas a estepe e a escuridão.

Pode parecer estranho que tenhamos demorado 12h a fazer esya distância. Mas estamos a falar de um jeep já com a suspensão mt fragilizada, que já havia dado vários problemas mecânicos e que não podíamos arriscar de maneira nenhuma uma avaria na montanha, ainda mais quando a sua avaria definitiva significaria a perda da caução de 6000 dólares que pagámos à entrada da Mongólia. E foi com esta Espada de Dâmocles que fizemos toda a viagem.

Na escuridão vislumbrava-se não um, mas um intrincado labirinto de caminhos que apenas mais tarde perceberíamos tratar-se de variações do mesmo, seguindo um percurso mais ou menos paralelo. Perdemo-nos qb, curvamos, subimos, descemos, atravessámos charcos e riachos, perdemo-nos outra vez, o GPS falhava constantemente e às vezes, na dúvida, o último recurso de orientação eram mesmo as estrelas.

Durante boa parte do caminho a média era de 20Km/h. 30Km/h era uma loucura, 40Km/h era incrível e 50Km/h era impossível. A certo momento o GPS avisa-nos que entramos na “Southern Route”, onde por alguns minutos conseguimos atingir os 30Km/h. Formidável. O Alejandro não contém a alegria:
– Es la Souther Route! Es una maravilla!

Ri-me, Southern Route por alguma razão soa-me a nome de uma qualquer autoestrada de acesso a Miami. Mas a nossa Southern Route não é mais do que um estradão que apesar de ser pouco mais largo, é percorrido por uma série de ondulações transversais que a mais de 25Km/h provocam uma trepidação semelhante à de martelo pneumático, mas que íamos encontrar recorrentemente durante toda a viagem.

Provavelmente o momento mais tenso foi quando consguimos a proeza de enfiar o carro num pântano que as ervas haviam dissimulado. A situação era dramática: a água dava quase pelo chão do jeep e praticamente metade das rodas estavam submersas. Até aqui nunca tinha usado a tracção 4×4, apenas o Luís, quando tinha sido necessária: nas montanhas da Arménia e no Turquemenistão. Na verdade eu considerava-me um nabo profissional ao volante e mal sabia como engatar aquilo. Mas naquele momento, e com o terror de ficar com o carro encalhado naquele nada, quando dei por mim tinha já as 4 rodas a puxar ao máximo, em marcha atrás, antes que aquilo afundasse mais. Mas com o jeep carregadíssimo, o motor a esforçar-se ao máximo e um cheiro a queimado a intensificar-se, tivemos mesmo de pedir a todos para saírem do carro, excepto o condutor.

Ficámos surpreendidos com o estoicismo das cazaques, especialmente de Kushuk, de apenas 12 anos. Eram quase 2 da manhã, fazia um frio de rachar, estávamos na estepe, não fazíamos ideia onde mas provavelmente a 8 horas do próximo lugar habitado. Longe de se queixar ou lamentar, a miúda não perdeu tempo a agarrar em pedras e colocá-las debaixo das rodas, para lhes dar tracção, juntamente com a irmã. Sabia o esquema de cor e estavam habituadas as estas andanças, mais do que nós. Finalmente e sob uma fumarada infernal o jeep saiu do pântano, graças à tracção 4×4, aos 2700cc e a muita sorte, e respiramos de alívio.

M – Hostias. No puedo ni creer que salimos de esta. Sin Luis. Creo que él estaria orgulhoso de mi.
A – Hasta yo estoy orgulloso de ti, portu.

Às 4h30 da manhã o cansaço venceu-me, parei o jeep e dormimos mesmo ali, com intervalos ocasionais para ligar ora a chauffage para não morrermos de frio, ora o motor, para não ficarmos sem bateria. Acordei pelas 6 e pico da manhã com o sol a espreitar pelas montanhas à minha esquerda, a confirmar-nos que íamos na direcção correcta, para sudeste, e continuámos viagem sob um amanhecer inesquecível.

Miguel Jeri

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