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“OVARVISÃO” – Por Carlos Daniel

Remontam ao final do século XIX os primeiros registos escritos das vivências do Carnaval em Ovar, que envolviam simples partidas carnavalescas mas também momentos de crítica política.

Com o tempo, essa matriz de crítica foi-se destacando mais, em particular com a integração nos desfiles das chamadas “Piadas”. Surgiam então às dezenas as “farpas” de teor político, local e nacional, quase sem filtros e, por via disso, muitas vezes desafiando claramente a censura.

Vale a pena sublinhar que o Carnaval de Ovar foi desde sempre um evento popular e que não perdeu essa característica de espontaneidade. Foi essa dinâmica que culminou no primeiro desfile organizado com grandes carros alegóricos, “Piadas” e grupos de mascarados. Estávamos em 1952.

A par, as ruas continuaram a ser animadas por dezenas de grupos ovarenses, vestidos com Dominós ou fantasias improvisadas. E foi desse carnaval sempre autêntico, dito mais trapalhão, que nasceram “Os Engelhados”. Surgiram na década de 1970 e mostraram que era possível brincar com ainda maior criatividade e engenho.

Um dos momentos particularmente memoráveis remonta a 1969, quando esse grupo de amigos e foliões realizou o primeiro ”Vestival de la Cancione de Ovarvisão”, numa paródia à programação da RTP, com destaque para o Festival da Canção e a subsequente final europeia, com a chancela da Eurovisão. Foram dez as canções, todas elas recheadas de crítica acutilante, com referência a muitos dos problemas de Ovar e cantadas por “artistas” com referência a outros bastante conhecidos à época.

Surgiram então na sátira “António Calcário” (António Calvário), “Madelein Inglesinha” (Madalena Iglésias), “Lixa Clifs” (Cliff Richard) ou “Rui de Mascarado” (Rui de Mascarenhas), enquanto na apresentação estavam “Mary Mauéla” (Maria Manuela) e Aruro Brutchinho” (Artur Agostinho). E estes “Engelhados vieram a ser mais arrojados ainda, ao projetarem e construírem um circuito fechado de televisão num dos mais conceituados cafés de Ovar, o Café Progresso.

Não é exagero falar de um acontecimento extraordinário, em particular se tivermos em conta que, nessa altura, a própria RTP só utilizava grandes câmaras de estúdio, recorrendo para reportagem maioritariamente ao filme.

Os mesmos carolas, liderados informalmente pelos irmãos Mário Almeida e Rui Almeida, reuniram diversos equipamentos eletrónicos – tv´s, giradiscos, microfones – e obtiveram, para o material mais caro e de difícil acesso, o apoio da Philips. Garantiram com isso uma câmara mais pequena que permitia captar e transmitir, em direto para as outras salas do café, aquele grande “Vestival de la Cancione”.

Viveram-se momentos raros de criatividade e humor, com rábulas em redor do Telejornal ou do famoso “quadro negro” da interrupção de emissão, tão frequente na altura, mas numa versão carnavalesca: “Pedimos interrupção por esta desculpa alheia à ligação de momentos, esperamos vontade de retomar dentro”.

Esta verdadeira odisseia viria a ter reedições em 1970, com emissão a partir do GAV para os cafés Progresso e Paraíso e, uma última vez, em 1973, a partir do Furadouro.

Neste último ano foi preciso construir um emissor e uma antena no Furadouro (a 5 quilómetros do centro de Ovar), com receção na cidade e distribuição de sinal para os cafés em causa e também para os Paços do Concelho. Foi, provavelmente, a primeira grande emissão de “TV pirata” em Portugal.

E vale a pena recolocarmo-nos na trilha do tempo e recordar que estávamos em 1969, pelo que a maior parte do material citado, com exceção dos televisores, quase só existia mesmo na RTP, a única estação de televisão ao tempo. As câmaras de vídeo amadoras só começam a ser utilizadas em Portugal no final dos anos 70. É, também por isso, graças aos registos fotográficos do Estúdio Almeida que podemos apreciar nesta exposição muito do que então se viveu em movimento frenético. As várias fotos documentam esses “Vestival”, Telejornal, Boletim Meteorológico, assim como o Teatro, a Culinária, a Ginástica e a Música, que já então compunham a grelha televisiva.

Com curadoria de Guilherme Terra, profissional da RTP e orgulhoso ovarense, esta é uma exposição herdeira da vontade de inovar, surgindo, também por isso, em simultâneo no Mural Criativo da RTP/Porto e no Posto de atendimento turístico de Ovar. Vale a pena apreciar estes pedaços de história, da RTP, de Ovar e do país.

Carlos Daniel
(Diretor do Centro do Centro de Produção do Norte da RTP)

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