Opinião

Dois mil quilómetros num dia? Na China é possível, até mais!

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Na Europa, na típica viagem em trabalho, normalmente requintada com o vocábulo “viagem de negócios”, ninguém sonha percorrer 2.000 quilómetros de avião ou comboio e regressar no mesmo dia.

É preciso tomar um bom pequeno-almoço, esperar confortavelmente na estação de comboios ou aeroporto, chegar ao destino, almoçar primeiro, dirigir-se à empresa x ou reunir-se com quem quer que seja, terminando com uma visita pela cidade e um jantar também de negócios e a ida para o hotel. O regresso ao ponto de origem será no dia seguinte ou dali a dois dias.

Na China não funciona assim, pelo na maioria das viagens que faço, como as últimas a Xangai.
Acordei às 05h20 da manhã, tomei um duche, vesti o fato – a gravata meti na mala de portátil porque me esgana o pescoço – tratei do meu animal de estimação, tomei o meu pequeno-almoço, revi se tinha todos
os items, carregador, documentos, passaporte, dinheiro em cash, cartões de contacto e saí porta fora para apanhar um carro que tinha reservado com um Uber chinês no dia anterior.

Para não ficar preso no trânsito de Pequim na auto-estrada para o Beijing Capital Aiport, decidi marcar um voo no aeroporto do sul de Pequim, mas pequeno, mais próximo da minha casa e mais conveniente, o Aeroporto de Nanyuan. Sim, porque a viagem que deveria demorar 40 minutos de carro até ao Beijing Capital acaba por demorar uma hora, setenta minutos, entretanto começo a olhar para o relógio num frenesim e adrenalina que me assolam, porque ainda tenho que fazer o check-in, passar na segurança, mais uma hora que se perde. Falamos duma cidade com 20 milhões de habitantes num dos aeroportos mais movimentados do mundo.

Consegue-se imaginar o caos diário, sobretudo no Terminal 3… O mega terminal dos voos internacionais que já não consegue dar razão ao congestionado tráfego áereo e por isso estão a construir um terceiro e faraónico aeroporto no sul de Pequim incrivelmente maior que o Terminal 3, no distrito de Daxing.

Este, o pequenito Nanyuan, do tamanho dum velho aeroporto secular europeu, para mim é bem mais prático: 20 minutos de carrito desde a minha casa, check-in online super rápido nas máquinas do aeroporto – descontando claro o tempo de espera por causa dos velhotes que não se entendem com as novas tecnologias – pouca fila na segurança, os voos não vão tão cheios nem há três filas na porta de embarque com as pessoas a enfiar os bilhetes na cara da assistente de bordo e… pequeno… um aeroporto em que não é preciso caminhar, caminhar e caminhar para as portas de embarque…

Mas… a aventura ainda agora começou… Tenho duas reuniões com dois clientes na segunda cidade chinesa, em sítios diferentes e só no bilhete é que reparo que aterro num aeroporto e parto de outro ao regresso quando antes achava que partia e aterraria no mesmo: aterro em Xangai Pudong e à vinda à noite tenho voo em Xangai Hongqiao, dois aeroportos, duas pontas da megacidade de Xangai.

E já adivinho que acontecerá ao regresso como acontece quase sempre com todos os voos domésticos chineses, mas já lá vamos.

Contento-me em não ter que fazer a duríssima viagem de ida e volta no mesmo dia de comboio de alta velocidade…5h30 para ir mais 5h30 para regressar… Onze horas num comboio de alta velocidade super lotado e barulhento consegue ser duro, mas pelo menos há cafetaria, tomada para o portátil e dá para passear um pouco, além de que os comboios de alta velocidade nunca se atrasam.

O avião para Xangai é prático e conveniente, com apena 01h45 minutos para cada lado, descontando os atrasos e cancelamentos frequentes, sobretudo no Verão, época das tempestades por excelência na China.

Trago o tablet e vejo uns dois episódios até aterrar… Lá chegado, tenho que correr para as filas de táxi do aeroporto, e demorar uns quarenta e cinco minutos até chegar ao destino, onde me encontrarei com um cliente. Não tive tempo de almoçar, assim que após chegado uma senhora da empresa me oferece café e uma meloa, o meu almoço naquele dia… Pelo menos é saudável e oferecido de bom grado.

Minutos depois entra a cliente acompanhada do seu marido iniciando-se a rotina do costume: apertos de mãos acompanhados de troca de cartões, sorrisos cordiais, sentar, tomar um pouco de chá ou água quente, conversa inicial e depois o conteúdo da reunião em si.

Mas o tempo é pouco e não dá margem para grandes conversas, a reunião começa às 13h00 e sei que às 14h tenho que estar dentro dum carro e ir para outra ponta da cidade para começar uma outra reunião às 15h… O tempo é apertado! Peço um carro no Didi (Uber chinês) com antecedência e para me vir buscar às 14h, não tardando a aparecer um voluntário na aplicação para o fazer.

Acabo a reunião, verifico se ficou tudo completo, despeço-me dos clientes e do parceiro da empresa e apresso-me a descer para a avenida para entrar no carro.

São 14h da tarde em Xangai, o trânsito ainda não está caótico, pelo que demoro perto de 45 minutos a chegar ao outro escritório, comendo uns Cheetos pelo caminho, a minha sobremesa.

Finalmente, chego ao destino, mas não precisava de pressa, pois mais tarde perceberei que o cliente está só atrasado uma hora.
Entretanto, revejo os documentos da reunião com atenção, discuto um detalhes com o parceiro e contemplo a paisagem ainda longe do Oriental Pearl de Xangai.

O cliente chega, é simpático, novo e calmo, mas de imediato percebo que a reunião vai ser complicado pois pede-me que explique tudo, ponto por ponto em mandarim. Demoro duas horas e pouco e não posso mesmo tardar mais porque tenho voo de regresso a Pequim em Shanghai Hongqiao às 20h40, ainda preciso de pedir mais um Didi, demorar 50 minutos a chegar ao aeroporto de Hongqiao, percorrer o terminal de check-in gigante, recolher o bilhete, passar na segurança, jantar e esperar pelo avião.

Parece muito tempo mas não é: desde a chegada sensivelmente às 18h45 até às 20h40, hora de embarque, o tempo corre a uma velocidade alucinante e para pouco dá, mas acabo por apanhar uma seca por o voo – o que não é surpresa – estar atrasado.

Perto da porta de embarque, já na fila, vejo um casal que pela língua me parecem ser russos. Vejo a rapariga a interpelar a senhora da porta de embarque e perguntar-lhe indignada porque está atrasado, ao que a senhora diz que não sabe e que está apenas atrasado. Eu rio-me pensando “esta é nova na China!”

Na China é comum os voos domésticos estarem atrasados, cancelados, etc., ou porque os voos do governo têm prioridade sobre os civis, ou devido ao estado do tempo, ou simplesmente porque um país gigante com muitos milhões de pessoas e dezenas de cidades gigantes, todas elas com aeroportos, acabando por congestionar a certa altura do dia.

Já tive voos adiados para madrugada do dia seguinte vindos de Cantão por causa das tempestades de Verão, outros cancelados em Chengdu, sendo empurrado para um hotel para passar a noite e ser acordado às tantas da manhã para ir de novo para o aeroporto apanhar o de regresso, outros vindos de Shenzhen primeiro adiados depois voando à hora inicialmente prevista, outros adiados vindos de cidades pequenas como Quanzhou sem se saber bem porquê… Faz parte…

Mas o que faz parte também e sabe melhor é chegar a casa à noite depois duma maratona pela China de avião ou comboio, encomendar um hambúrguer, tomar um bom duche e cair na cama redondo. Para não ser diferente foi o que fiz, aterrando à meia-noite, mais quinze minutos de autocarro do avião para o terminal, mais dez na fila de táxis e mais quarenta minutos para chegar a casa. Quando se chega é um alívio e nunca em qualquer outro dia da semana sabe tão bem chegar a casa… É o frenesim da China, o país que gravita vida, multidão, velocidade e dimensão…

Rosendo Costa
em Pequim

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