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“Os santos não podem ficar nus”

Esta frase, interpretada num duplo sentido, sintetiza o que sentem, a acção e as dificuldades, das zeladores dos santos que integram a procissão dos Terceiros que sai para a rua este domingo.

Por um lado, é preciso zelar pelas vestes dos andores, o que nem sempre é fácil nem barato, e por outro, na sua acção, as mulheres sabem que a imagem nunca, em nenhum momento do processo, pode ficar sem roupa.

De todas as procissões dos Terceiros que se realizavam no país, esta é a única que resiste, congregando diversas irmandades de todo o centro e norte do país.

Se as condições do tempo permitirem, a Procissão dos Terceiros sai para a rua às 15h30, numa oportunidade rara para ver os 14 ricos andores e as respectivas imagens dos Santos Tutelares da Ordem Terceira de São Francisco. O que poucos saberão é o trabalho de preparação que cada andor requer nos bastidores desta importante manifestação religiosa.

Ana Santos e a mãe andam numa correria nos últimos dias para que os andores que lhes estão confiados – o andor da Ordem Terceira Secular ou da Estigmatização de São Francisco e o andor dos Bem-Casados -, saiam nas melhores condições possíveis.

“Temos dois andores à nossa responsabilidade nesta, que no seu género, é a única que se realiza no país”, confirma Ana Santos, explicando que os santos que saem à rua nos andores, neste dia, “estão, durante o resto do ano, expostos em nichos da Casa-Museu de Arte Sacra, da Ordem Franciscana Secular de Ovar”.

Para que participem na procissão que se aproxima, as zeladoras têm que tratar de retirar todos os andores dos respectivos nichos, levá-los para a Igreja Matriz e prepará-los  de modo a que fiquem o mais bonitos possível. “Costumamos dizer que quando estão no museu estão com a roupa de semana e quando vão para a procissão vestem a roupa de festa ou domingueira”, revela Ana que ainda desvenda outros cuidados e segredos de que as zeladoras nunca podem esquecer nestas ocasiões. O mais curioso de todos eles é o seguinte: “Durante o processo da muda de roupa, o santo nunca pode ficar nu”, sublinha, acrescentando que foi a avó (anterior zeladora destes mesmos andores, que lhe passou a “herança”) que a avisou e desde então “nunca mais esqueci e cumpro”. Então, “o mais complicado é trocar-lhe a roupa interior da imagem sempre com a preocupação de que nunca fique completamente despido”. Uma vez concluída esta operação, passa-se à fase de vestir a roupa própria de procissão que “está guardada e acondicionada no segundo andar da Casa-Museu, juntamente com as sanefas, as jarras de ciprestes e outros tecidos, muitos deles pintados a ouro”. Todos estes adereços, após tanto tempo guardados, necessitam de cuidados especiais.

“Há humidades e até picadas de traça que temos de resolver quando os vamos buscar”, aponta Ana Santos. “Este ano, tive de mandar fazer um hábito novo e uma cabeleira para os Bem-Casados”. Só o tecido para o hábito custou 30 euros, porque a costureira fez o trabalho de graça. Quanto à cabeleira, “não sei quanto será, mas “o meu avô, há muitos anos, desembolsou 800 contos por uma de cabelo natural”. Além do tempo que se dispende, há despesas que saem do bolso das zeladoras. Nem a Paróquia, nem a Câmara Municipal de Ovar apoiam financeiramente estas mulheres. No seu caso, a ajuda que Ana pede é para ajudar a tratar das vestes, “pois há roupas muito estragadas, pois os andores também são antigos e as instalações onde se encontram não ajudam”. Ela avisa que “se não houver dinheiro, as pessoas também não poderão estar a pagar sempre”.

Desde pequenina que a avó a envolveu na organização da procissão e “faço-o com muito carinho, na medida das minhas possibilidades, mas é importante que as entidades olhem para isto”, alerta.

O vereador da Cultura da Câmara Municipal de Ovar, Alexandre Rosas, promete proceder ao reforço das verbas que têm sido entregues à Casa Museu de Arte Sacra e à Irmandade dos Passos. É que, explica, “as ajudas financeiras têm que ser enquadradas por esta via dos apoios ao associativismo, pois estamos impedidos de o fazer a pessoas privadas”.

Pôr uma procissão na rua é muito complicado e a dos Terceiros, então, é um caso especial dada a quantidade de andores em acção. “O problema é que são cada vez menos as pessoas que vêm tratar deles e as que ainda por aqui andam já têm idade avançada”, lamenta Ana, ao mesmo tempo que apela para que se cirem mecanismos que voltem a suscitar o interesse dos jovens nesta tradição.

E quando diz que levar esta procissão para a rua é complicado, está a dizê-lo literalmente. “Há andores muito pesados, para os quais são precisos muitos braços e homens fortes para os carregar”, lembra. O andor da Ordem, por exemplo, é dos mais difíceis de carregar nas ruas e tem sido, desde sempre, levado por seis homens do Mar. “Quem os arranjava era o João Moleiro que, entretanto, faleceu, mas deixou tratado para que esses homens nunca falhem”, e Ana diz que “eles não falham, mas no final, temos que os agraciar. Tem que ser e é para estas coisas e outras que surgem que pedimos ajuda”.

Em Ovar, os figurantes do Carnaval guardam as fantasias e entram em modo Quaresma na quarta-feira de cinzas. Ana é elemento do grupo Bailarinos e também andou envolvida na preparação dos corsos, mas antes disso, confessa que deixou tudo tratado com a costureira para a confecção do hábito do andor dos Bem-Casados. “Tem que se planear, porque nestes dias, temos que ir buscar tudo, transportar, vestir, depois despir e arrumar tudo outra vez e não há tempo”. É por tudo isto que basta ameaçar que vai chover para a procissão não sair da igreja.

 

 

 

 

 

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