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Primeira família síria a chegar a Portugal já esteve em Ovar

A família síria, oriunda de Reka, na Síria, que percorreu mais de 6 mil quilómetros por estrada, arriscando a vida até chegar a Portugal, esteve este domingo, em Ovar, onde encontrou uma festa no Mercado Municipal para recolher donativos para os refugiados que excedeu todas as expectativas (ler peça ao lado).

Ainda mal refeitos por ver como os vareiros organizaram a gala “Ovar, Vamos Ajudar?”, Ali, a mulher e as três filhas visitaram a casa que a União das Freguesias de Ovar arrendou ao abrigo de um protocolo com a PAR. “Ficaram deslumbrados”, comentou Salomé Costa, que ressalvou, no entanto, que “eles ainda vão decidir se vêm viver para cá”. A possibilidade de virem para Ovar é muito forte, pois se permanecerem em S. Martinho do Porto terão que ir para um dormitório.

Voltemos à família de refugiados. Quando saiu do seu país natal, a Síria, Ali Alkhamis tinha um objectivo: chegar à Alemanha, onde tinha um irmão a viver, e onde achava que conseguiria alcançar a meta que o fez percorrer milhares e milhares de quilómetros: proteger a família.

Mas o plano não correu como programado e é quando já está na Áustria, à procura de comboio que os pudesse levar até ao destino final, que tudo muda e de repente Portugal, aquele país do qual só conhecia o futebol, aparece como a casa que os pode receber.

“Enquanto estava à procura dos horários dos comboios para poder comprar bilhetes para a Alemanha, chega um voluntário sírio com o senhor Nuno (…). O voluntário traduziu que essas pessoas tinham vindo para ajudar os refugiados e levar quem quisesse para Portugal”, contou Ali Alkhamis.

O “senhor Nuno” é Nuno Félix, da associação “Famílias como as Nossas”, que também esteve em Ovar. Foi ele que a 25 de setembro se propôs, juntamente com outras pessoas, fazer vários quilómetros de carro para conseguir trazer uma família de refugiados para Portugal.

A família de Ali foi a terceira com quem Nuno Félix falou e o que lhe captou a atenção foram as três meninas sentadas no chão, ao pé da mãe. Com a ajuda do voluntário sírio, que assume também o papel de tradutor, Nuno consegue falar com Ali e explicar qual era a sua missão. Uma conversa de 15 minutos, em que Ali ouviu tudo “muito atentamente”.

“Depois, ele disse-me que estavam dispostos a vir comigo e logo ali, no chão da gare, fizemos um género de declaração em que ele escreveu em árabe a dizer que vinha de livre vontade comigo e eu assinei. E eu escrevi em inglês, para ele assinar, a dizer que ele vinha de boa vontade comigo”, contou.

As vidas destes dois homens cruzam-se em Viena de Áustria, mas a viagem de cada um começa muito antes até se encontrarem, por acaso. Ali e a família viviam em Reka, uma cidade próxima de Palmira, sob domínio do autoproclamado Estado Islâmico (EI). Viram familiares, amigos e conhecidos desaparecerem.

Durante quatro anos e meio aguentaram os bombardeamentos diários, até ao dia em que a própria casa foi atingida com a família lá dentro. Ninguém ficou ferido, mas nessa altura Ali percebeu que o perigo estava cada vez mais perto e decidiu fugir. Até porque os convites por parte do EI para se juntar ao movimento não paravam e ele já não podia recusar mais.

Partem juntamente com a família de um irmão. Demoram 12 horas a fazer um caminho que normalmente demoraria quatro, só para sair do distrito onde viviam, e pagam 1.200 euros a uma pessoa que os “ajuda”.

Na Turquia ficam 27 dias até as autoridades lhes dizerem que não aceitam mais refugiados. Ali começa a procurar formas de sair do país e é através da internet que contacta um traficante para fazer a travessia de barco entre a cidade de Izmir e a ilha de Lesbos, na Grécia. “Combinei com a pessoa que ia numa embarcação com capacidade para 30 pessoas, com oito metros de comprimento. Para meu espanto, entraram 47 pessoas numa embarcação com seis metros”, contou Ali.

Como sabia que muita gente morria durante estas viagens, Ali comprou coletes salva-vidas para a família, bem como braçadeiras para as três filhas e levou cordel para se atarem uns aos outros, para não se separarem caso o barco virasse. “Graças a Deus conseguimos chegar à praia na Grécia e aí senti que estávamos a salvo”, recordou, em lágrimas.

Consegue comprar bilhetes para o barco que os leva até Atenas, onde “estavam pessoas que, mediante pagamento, os põem em autocarros com destino à Macedónia”. Na Macedónia esperam seis horas para entrarem na Sérvia e já na Sérvia andam a pé sete quilómetros para chegarem ao campo de refugiados. Daí caminham mais cinco quilómetros para apanharem o autocarro que os vai levar até à Croácia, onde foram “muito bem recebidos pelas autoridades”.

Da Croácia, partem de autocarro para a Hungria, onde foram “muito mal recebidos”, e dali continuam viagem até à fronteira da Áustria. A partir da fronteira, caminham a pé mais de sete quilómetros até ao campo de refugiados e daí pagam 150 euros para um táxi os levar até à capital, Viena.

“O objectivo era chegar à Alemanha e estava quase lá, mas já quase não tinha dinheiro. É aí que aparece o senhor Nuno, com os amigos dele, a prestarem ajuda. Foi a primeira ajuda séria que tive”, disse. Com a Alemanha ali tão perto, Ali admite que não foi fácil convencer a família a fazer quase mais 3 mil quilómetros e “atravessar a Europa toda”, já que tinham que atravessar várias fronteiras e não tinham qualquer documentação.

“O senhor Nuno explicou-me que se viesse para Portugal, ele faria tudo para que tivéssemos uma casa, as minhas filhas fossem à escola, tivéssemos uma vida normal. Ele deu-me essa garantia e esse era o meu objectivo: proteger a minha família”, contou.

Em Portugal há cerca de um mês, Ali ambiciona conseguir reconstruir a vida exercendo a profissão que sempre foi a sua, já que na Síria tinha uma loja de costura e outra de vestuário de senhora. “Não vou ficar quieto à espera de ajudas até porque não quero sobrecarregar os outros, seja o Estado português, seja as pessoas que nos trouxeram”, afirmou.

Quando questionado sobre o que mais gosta de Portugal, Ali Alkhamis responde que se na Síria tinha uma pequena família, aqui tem uma grande família, facto que o une a Nuno Félix, para quem o agregado familiar passou de seis para onze pessoas.

“Este último mês tem sido muito diferente (…) porque na prática a família ficou muito maior, mas o objectivo, desde o início, era trazer uma família para um país em paz (…) e dar-lhes todas as ferramentas para eles reiniciarem a vida em Portugal”, afirmou Nuno Félix.

Nuno só se arrepende de não ter podido estar mais tempo em Viena de Áustria a ajudar e de não ter trazido mais famílias já que, sublinha, esta família de cinco pessoas continua a ser a única que até agora chegou a Portugal no decorrer da actual crise de refugiados.

Promete continuar a ajudar, seja a família de Ali ou outras, razão pela qual constituiu a associação “Famílias como as Nossas” e deixa o apelo a todos os que se sintam tocados por esta realidade. “Se têm essa motivação, venham ter connosco”, desafiou. (*com Lusa)

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