Covid-19

Segurar o mar

O mar é como um bicho que se atira para nos ferrar, mas que, quando tomba, encolhe-se como um rebento pronto para ser amansado.

Ele tem sido demasiado dramático connosco, provocado uma ira feudal em todas as pessoas que têm assistido, via televisão ou internet, à sua força e rebentação, com estragos catastróficos, numa fase em que a desgraça já é, por si, quotidiana. São despesas a mais para, um povo recatado e amaldiçoado pelas crises, aguentar.

Pior, junto das pessoas que dele vivem, seja na pescaria ou no negócio na sua borda plantado, a aceitação desta catástrofe ainda é mais dramática. É como a esposa ou marido de feitio demasiado diferente, mas que sabemos não poder abandonar, ou não fosse o amor da nossa vida, a baquete que trupa no nosso coração.

O mar no inverno teima em fazer-nos mal, bater-nos na porta como um convidado indesejado, como um vendedor de colchões que não se apercebe que já os mudámos duas vezes no último ano. Vem do seu canto ao fundo do areal deslizar pela rua de nossa casa, como se estivesse num escorrega de criança, não se apercebendo do mal que nos faz. Ao mesmo tempo que, meses à frente, chega calmo com o Verão, como o familiar emigrante que põe de lado as divergências e se assoma de nós unicamente movido pela saudade genuína, pela certeza que temos muito mais ganhar de fortalecer laços.

A natureza é mãe, mas não tem mãe. Nenhum de nós lhe pode ordenar que pare, que seja apaziguada nas vontades, numa altura que já tanto sofremos por outras coisas. Mas, ainda assim, nós, como amigos do mar que somos, devemos-lhe o respeito sincero de aconselhar, de condicionar as vontades, não compactuando com as suas vontades desvairadas. E é aí que entra a governação.

Bem sei que ser governante, por vezes, não é fácil. As pessoas não são unas, não se regem pelas mesmas vontades nem têm os mesmos costumes, o que faz com que agradar a todos seja como colocar o relógio a andar ao contrário dando as horas certas. Ainda assim, em casos, é preciso contrariar a vontade do povo de imediatismo. E, note-se, que me incluo nesse povo.

Não faz muito sentido desenvolvermos as actividades veraneantes, que tanto por aqui tenho defendido, quando a praia é engolida e as casas são espancadas, assim que o sol de Agosto desvanece. Desse modo, contrariando-me, indo contra tanto do imediato que aqui tenho apelado, acho que está na hora de olharmos para a nossa base e voltar com as metas atrás. Não podemos querer construir dez andares acima dos oito que já temos, quando existem problemas na estrutura do prédio, na viga-mor da nossa construção.

Todos queremos novas infra-estruturas e módulos de desenvolvimento que enlacem a nossa cidade à proa do desenvolvimento, mas temos que apaziguar os

mares em baixo do nosso barco. É necessário olhar aos problemas estruturais que podemos resolver e aos que podemos atenuar, como é o caso do mar. Não sou, em absoluto, a pessoa mais entendida para referir o que se deve fazer, contudo sou um cidadão que, vivendo a quilómetros suficientes para não ser fustigado pelo mar, sabe que as pessoas que lá residem não merecem a desgraça que todos os anos as assola. Por isso, todo este texto serve, somente, para referir que qualquer dinheiro que desviem de eventos ou estruturas populistas imediatas para lá, para a protecção da nossa praia e dos nossos proprietários, serve-me de alegria.

Não quero ver-nos a crescer em cima de tábuas partidas, a ranger, quero um chão cimentado, onde se possa construir uma casa ou um arranha-céus, com igual segurança.

Estou com todas as pessoas vitimadas pela força do mar, colocando-me ao dispor de tudo o que possa ajudar, dentro das minhas possibilidades.

Ricardo Alves Lopes (Ral)
http://tempestadideias.wordpress.com
[email protected]

(Foto: José Monteiro)

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