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“Ir em missão é algo que eu não consigo explicar”

A emocionante experiência de Inês Poças Ferreira em Angola

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Os Missionários Passionistas, de Santa Maria da Feira, organizam, esta noite, (26 de Outubro), uma sessão dedicada ao voluntariado missionário em Portugal e no estrangeiro. Inês Poças Ferreira, de Ovar, vai lá estar para contar a sua experiência no Calumbo, em Angola, onde esteve em missão, em 2017 e 2018, entre meio de Julho e fim de Agosto.

“A experiência de ir em missão é algo que eu não consigo explicar, porque mexeu comigo de tal maneira que nem consigo encontrar palavras”. Inês lembra-se de ouvir alguns amigos que já tinham ido dizerem que “só em Janeiro é que eu seria capaz de pensar alguma coisa”. Na altura, “não percebia o que queriam dizer”. “Agora entendo que são muitas coisas para processar”. E embora já tenha passado algum tempo, ainda não encontrou resposta para uma questão fundamental: “Porque é que quero tanto estar lá?. Aqui, abro a torneira e tenho água, por exemplo, já para não falar em todas aquelas comodidades que lá não existem. E mesmo assim quero estar lá”, sublinha.

Inês Poças Ferreira julga que é por “ter entendido o que realmente importa na vida”. Aliás, costuma dizer que o que mais a marcou “foi o relacionamento humano”.

O “bom dia que nos dizem pela manhã, por exemplo, é muito mais que um simples cumprimento impessoal”. Em quimbundo (uma das línguas oficiais de Angola), dizer-se “bom dia” significa perguntar como estás, como passaste a noite. “Posso ter mil coisas para fazer, mas vi-te, parei, perguntei se passaste bem e só depois é que vou à minha vida”. No Calumbo é assim, o centro da vida é a pessoa, não é o dinheiro ou a profissão e isso conquistou o coração de Inês.

Dizer e concretizar

Natural de Ovar, tinha tudo para viver uma vida calma, confortável e despreocupada. Hoje é finalista do curso de Medicina, mas quando era mais nova tinha dois sonhos: “Tirar o curso de Medicina e ir em missão”. Dizer é uma coisa e concretizar é outra bem diferente. Quando falava disso, ninguém acreditava que ela fosse mesmo em missão.

Hoje, está a terminar o curso e já foi. Na universidade, cumpriu os dois desejos. “Encontrei um grupo de passionistas, decidi entrar e fiquei muito contente por ser voluntariado que faz missão em Portugal e em Angola”. No primeiro ano, não se sentiu pronta para sair. Inês diz que é fundamental “conhecermo-nos profundamente, porque se assim não for, as coisas podem correr mal”. Num país tão diferente do nosso, ela garante que “é difícil sermos o nosso melhor”. Assim, “convém saber quem somos no nosso pior”. “Senti que não estava pronta e não fui, mas preparei-me”. No ano seguinte, seguiu para Calumbo, perto de Luanda, em Angola, em missão.

Calumbo fica na periferia de Luanda, é picada angolana, e os Missionários Passionistas já tinham uma tarefa reservada para si. Os polos da Biblioteca de Ovar e Esmoriz tinham acabado de fazer uma doação de muitos livros que “já lá estavam quando cheguei em Julho, mas faltava organizar tudo para a biblioteca ficar à disposição das pessoas”. Depois era preciso ir às escolas avisar que havia uma biblioteca com mais de mil livros para serem lidos. Os olhos de Inês brilham de saudade à medida que recupera as memórias.

“Em Janeiro decido”

Em Janeiro deste ano, decide…. voltar. “Eu sabia da existência de um centro de saúde em Viana, fui lá e pedi para ficar um mês”. Os planos mudaram um pouco, pois “as irmãs que lá estavam só precisavam de voluntárias no mês de Julho”.

Mas havia uma nova biblioteca para semear. Esta parecia ser um desafio à sua altura. Uma biblioteca no estabelecimento prisional do Caquila. Mas não foi sozinha. “Uma outra voluntária dava aulas de inglês, a minha irmã fazia consultas de optometria e eu fiquei a criar um polo da biblioteca”. Para começar, “levei cerca de 300 livros que não eram precisos na biblioteca de Calumbo”, entretanto baptizada de “Imbondeiro do Saber”. Além da biblioteca, Inês ainda arranjou tempo para dar palestras sobre vida saudável aos reclusos.

Ao início, “tinha um medo incrível de ir para lá. Era uma prisão de homens, criminosos, em Angola”. Estava nervosa, não esconde. Nos primeiros dias, não dava um passo sem estar acompanhada de guardas. Mas depois libertou-se, “passei a andar sozinha e nunca me senti tão segura”. “E os reclusos andam lá dentro à vontade, nem sempre estão fechados nas celas”, descreve. A sua alma tem a faculdade de descortinar o que há de melhor em cada um de nós: “Eles ensinaram-me valores e ideias que eu desconhecia, nunca tinha parado para pensar nisso”.

Janeiro aproxima-se e ela vai de novo deitar contas à vida e decidir. “Vou ou fico?” ”Eu conheço-me: O mais certo é ir de novo”. Inês não esquece que tem de concluir um curso superior, que está no penúltimo ano, que estas “serão as minhas últimas férias e terei de estudar para o exame de especialidade”. “Tenho sempre a ideia de que devia estar a fazer algo mais directamente ligado ao meu curso”, mas se for, já decidiu que “é para concluir a biblioteca da prisão”.

Embora o voluntariado esteja na moda, Inês Poças Ferreira sente verdadeiramente o trabalho que faz. E se ele for sustentado e continuado por quem lá fica, mais feliz fica e mais vontade tem de voltar uma e outra vez. “Foi uma alegria grande chegar e ver que os voluntários locais mantêm a biblioteca e já lhe acrescentaram computadores e  Internet, ou seja, evoluiu, não ficou parada”.

Irmã também vai

Ter uma filha que todos os anos viaja para África em missões de voluntariado não é para todos, mas os pais conformam-se. Agora, ter as duas filhas envolvidas já é outra situação diferente. “Os meus pais são extraordinários”, diz Inês Poças Ferreira. O pai fez missão em Moçambique e a mãe também teve uma educação muito próxima da Igreja Católica e “eu não consigo deixar de ir à missa”.

“Apoiam-nos muito. Totalmente. E somos só duas, não há mais nenhuma”, ri-se. “Só não digo que gostaria de ir viver para Angola, por causa deles, porque são inexcedíveis”, admite.

Angola marca, mas do que “eu sinto mais falta é das pessoas”, confessa. “As de cá também são fantásticas”, brinca Inês, para dizer que, para si, “as coisas têm de ter sentido, não basta serem bonitas”. “Não valorizo o que é supérfluo”.

Inês esteve em Viana e Calumbo, mas é por esta última comunidade que o seu coração palpita. “Talvez por ser aldeia, onde todos se cumprimentam, o que, para mim, faz toda a diferença”. “Eu sei que é pelas pessoas. Lá, sinto-me em casa e mais completa enquanto pessoa. Sinto-me mais eu, sem filtros”.

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