Reforma da Lei Eleitoral das Autarquias: Uma Mudança Paradigmática para a Democracia Local

Num momento em que a descredibilização da política local e a desconfiança dos cidadãos face às instituições democráticas atingem níveis preocupantes, urge repensar de forma estrutural o modelo de governação das autarquias em Portugal.
O presente documento propõe um conjunto articulado de reformas que visam reforçar a legitimidade democrática, aproximar eleitos e eleitores, estabilizar a governação e garantir uma participação cidadã efectiva e consequente. Estas medidas partem de boas práticas internacionais, experiências nacionais bem-sucedidas e de um princípio basilar: uma democracia local viva exige instituições abertas, fiscalizadas e participadas.
Convidamos todos os partidos, candidaturas autárquicas, jornalistas e agentes da sociedade civil a conhecer, debater e, se possível, adoptar estas propostas no caminho comum de regeneração da democracia portuguesa.
I. Reforma Estrutural da Governação Local
1. Eleição Parlamentar do Executivo Municipal
Medida: O presidente da Câmara e os vereadores com pelouros passam a ser eleitos pela Assembleia Municipal de entre os seus membros.
Justificação: Reforça a coerência política, o escrutínio e a responsabilização democrática.
2. Mandato Condicionado e Moções de Confiança
Medida: Introdução de mecanismos de moção de confiança e censura no executivo municipal.
Justificação: Permite remover executivos ineficazes sem eleições intercalares.
3. Voto Preferencial para a Assembleia Municipal
Medida: Os eleitores podem reordenar os candidatos da lista do seu partido.
Justificação: Aumenta a ligação entre eleitor e eleito, reduz o controlo partidário sobre os lugares.
4. Redução da Dimensão dos Executivos Municipais
Medida: Limitar o número de vereadores com pelouros a cinco.
Justificação: Evita governações por “coligação de pelouros” e promove executivos mais coesos.
5. Revisão da Representação das Freguesias na Assembleia Municipal
Medida: Presença obrigatória (sem voto) de representantes das freguesias nas Assembleias Municipais.
Justificação: Melhora a articulação entre freguesias e município.
6. Regime de Incompatibilidades Mais Rigoroso
Medida: Proibição de acumular cargos políticos na Assembleia de Freguesia e Municipal com actividades financiadas ou influenciadas pelo município.
Justificação: Combate o nepotismo e os conflitos de interesses.
II. Participação Cidadã Estruturada
7. Plenários de Cidadãos com Poder Consultivo
Medida: Fóruns locais com cidadãos sorteados para emitir pareceres obrigatórios sobre investimentos públicos relevantes.
Justificação: Insere inteligência colectiva e pluralidade nas decisões.
8. Revisão dos Critérios de Financiamento Partidário Local
Medida: Atribuição de apoio público condicionada a níveis de transparência e participação real.
Justificação: Estimula comportamentos políticos responsáveis e participativos.
9. Referendo Local com Acesso Simplificado
Medida: Redução do número de assinaturas para desencadear referendos locais (ex.: 2% do recenseamento).
Justificação: Facilita decisões democráticas directas sobre temas locais.
10. Direito de Petição com Efeito Deliberativo
Medida: Petições com mais de 1.000 assinaturas obrigam a deliberação em plenário da Assembleia Municipal.
Justificação: Dá consequência prática à mobilização cívica.
11. Códigos Municipais de Participação Obrigatórios
Medida: Regulamento obrigatório de participação em todos os municípios com mais de 20 mil habitantes.
Justificação: Cria base jurídica estável para os direitos de participação.
12. Assembleia Cidadã Permanente (ACP)
Medida: Grupo rotativo de cidadãos por amostragem reúne trimestralmente com papel consultivo formal.
Justificação: Estabiliza a participação cidadã de forma estruturada.
13. Reforço dos Orçamentos Participativos
Medida: Pelo menos 2% do orçamento municipal alocado a decisões vinculativas dos cidadãos.
Justificação: Dá poder real aos cidadãos para decidir prioridades.
III. Participação Deliberativa Inovadora
14. Fóruns Aleatórios de Cidadãos Remunerados (Júris Cívicos)
Medida: Fóruns de fim de semana com cidadãos sorteados, ouvindo especialistas e formulando recomendações.
Justificação: Combina diversidade com deliberação qualificada.
15. Obrigatoriedade de Votação das Recomendações Cidadãs
Medida: Todas as propostas cidadãs devem ser votadas pela Assembleia Municipal no prazo de 60 dias.
Justificação: Evita a estagnação institucional e garante seguimento político.
16. Cumprimento Obrigatório das Deliberações da Assembleia, com Punição Financeira
Medida: Incumprimentos injustificados por parte do executivo acarretam sanções financeiras ao seu gabinete.
Justificação: Reforça a autoridade deliberativa e desencoraja bloqueios executivos.
IV. Acesso, Transparência e Participação Ativa
17. Horário Obrigatório Pós-Laboral das Reuniões Públicas
Medida: Todas as reuniões da Assembleia Municipal devem ocorrer após as 17h30 ou ao fim de semana.
Justificação: Permite a participação da maioria da população ativa.
18. Tempo de Intervenção Cidadã Garantido em Todas as Sessões
Medida: Pelo menos 45 minutos de cada reunião (em horário pós-laboral) devem ser reservados à intervenção livre de cidadãos.
Justificação: Garante escuta efetiva e visibilidade pública às preocupações locais.
19. Direito de Iniciativa Legislativa Cidadã Local
Medida: Cidadãos podem propor regulamentos ou deliberações diretamente à Assembleia Municipal.
Justificação: Equipara o cidadão ao eleito na capacidade de iniciativa legislativa.
20. Transmissão em Direto e Arquivo Digital Obrigatório das Sessões
Medida: Transmissão obrigatória online e arquivo de transcrições pesquisáveis de todas as reuniões públicas da assembleia e comissões.
Justificação: Aumenta a transparência, facilita o escrutínio e a memória institucional.
Conclusão
Estas 20 propostas representam um novo pacto democrático para o poder local: mais transparente, mais próximo, mais responsável. Reformar não é um capricho, é uma necessidade. A despolitização das populações, a captura partidária das instituições e o défice de escrutínio não se combatem com discursos, slogans e palavras vazias, mas com mecanismos concretos que devolvam poder aos cidadãos e responsabilizem os seus representantes.
Apelamos a todos os que acreditam numa democracia de rosto humano, deliberativa e participada, que usem, partilhem e melhorem este documento em código aberto. Só com coragem reformista e compromisso coletivo conseguiremos construir autarquias mais justas, participativas, eficazes e verdadeiramente democráticas.