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Adriano ganhou o Totoloto mas morreu na miséria

Adriano Casal recebeu um prémio de 73 mil contos, aproximadamente 400 mil euros, no jogo. Pouco tempo depois, voltou a ficar sem nada.

«Tentaram-me dar a volta, dei tudo, só comprei uma mota», confessou, há dias no programa da manhã da TVI, o homem que chegou a trabalhar para a Junta de Freguesia de Esmoriz.

Vivia na miséria, numa casa sem condições, com 80 euros por mês: «Tenho dias que não como, já estou habituado».

Na TVI, Maria Botelho Moniz e Cláudio Ramos souberam da história e mostraram-se inconformados com a situação de Adriano Casal, mas esta manhã, informaram que o homem que sensibilizou o público e gerou uma onda de solidariedade à sua volta, faleceu vítima de paragem cardiorrespiratória.

Houve um momento na vida de Adriano Casal, 67 anos, em que o conceito de justiça divina quis dar um ar da sua graça. Era 2001, agosto de 2001, um sábado. Mais um sábado em que Adriano, então com 48 anos, andava pelas redondezas do Parque João de Deus, em Espinho, “a guardar uns carritos”. Mais um sábado em que deu um salto ao café com o colega que todas as semanas, naquele dia, fazia questão de lhe pagar o galão.

Foi quando se lembrou de perguntar pelos números do Totoloto. “Ele foi buscar o jornal e começou a dizer-me os números. E eu a ver o 17, o 19, o 21… eu sabia que jogava naqueles números. Achei que tinha para aí um três ou um quatro. Já dava para o lanchezinho e para o tabaquito, pensei.” O colega nem quis crer. “Tens agora…”, duvidou. E ele lá foi ligeirinho, ao “quartito” onde vivia na altura, perto do tribunal, buscar o boletim que haveria de tirar a teima.

Adriano equivocou-se, sim, mas só por defeito. Porque os “três ou quatro números” que lhe dizia terem saído eram afinal sete. “0 17, o 19, o 21, o 23, o 24, o 26, o 27.” Nunca mais os esqueceu. Como podia, se o palpite certeiro lhe valeu 400 mil euros, 300 e muitos milhares após impostos. “Saíram-me 73 mil contos, menina”, recorda Adriano, um sorriso tímido a denunciar um misto de júbilo e vergonha.

Logo a ele, que nunca antes soube o que era a sorte. Logo ele que, em 1979, quando trabalhava numa fábrica de alumínios em Grijó, sofreu um acidente tão aparatoso que pouco lhe restou do que era a vida até aí. O pai e o colega, com quem seguia para Lisboa de madrugada, numa viagem de trabalho, morreram logo ali. Ele ficou em coma, uns três meses, diz. “Quando acordei nem sabia que namorava.”

Acabaria por recuperar a memória, não o trabalho. Deram-lhe a invalidez. Foi fazendo uns biscates. Passado uns tempos casou. E teve uma filha. Mas seis anos depois a mulher deixou-o. Ele cambaleou. Durante uns tempos ainda tinha o dinheiro do seguro a servir de bengala. Depois até isso perdeu. E o caminho estreitou-se perigosamente.

“Arrumei carros, passei fome, cheguei a dormir na rua. Andei por aí ‘ó tio, ó tio’”, lembra, um travo de amargura na voz. Com a filha ainda ia estando, enquanto ela ficou com os avós maternos (a mãe tinha emigrado para a Alemanha com o novo companheiro). Mas depois também ela se mudou para Itália. “Nunca mais a vi. Sei que já tenho um neto mas nunca o vi. É um desgosto que tenho.”

Foi por isso, pelo acidente que lhe levou o trabalho, pela mulher que o deixou, pela filha que não viu mais, pela fome que passou e por tudo o resto que aquele sábado pareceu obra de uma justiça divina. Ele garante que não se perdeu em euforias ainda assim. “Se quer que lhe diga acho que fiquei normal, parecia que mesmo assim não acreditava.” Mas a vida mudou num repente. “Vinha toda a gente ter comigo, falar-me no prémio, pedir dinheiro. E eu dava. A tudo e a todos. Pediam-me 500 e eu dava 1000.”

Chegou a querer oferecer um carro a uma jovem que o ajudou nos tempos da penúria. Ela é que nunca aceitou. Com outros não teve tanta sorte. A dada altura comprou uma casa. E um casal que se dizia amigo – era, afinal, o oposto disso, como haveria de perceber demasiado tarde – prometeu-lhe comida, dormida e companhia até morrer, caso Adriano aceitasse passar a casa para o nome deles. Estranhamente, ele acedeu.

“Sempre fui um gajo de coração aberto, mole. E na altura não tive ninguém ao meu lado, que me ajudasse, que me aconselhasse.” Só assim se explica que não tenha visto o conto do vigário a anunciar-se. Nem um ano depois, tinham-no posto fora de casa. Do grande prémio que tinha recebido já nada restava. “Eu digo-lhe, se gastei uns dez mil contos comigo foi muito. Comprei a casa, uma motinha e emprestei a muita gente.”

Certo é que ano e meio volvido desde aquele sábado aconchegante de agosto, lá estava ele, de volta à rua, a arrumar carros, por vezes a comer uma única sande em todo o dia, aquela ilusória promessa de justiça divina a revelar-se só uma falácia monumental, como se o universo se risse dele a bandeiras despregadas. Em janeiro de 2004, era notícia no JN. “Arrumador regressa à rua depois de ter ganho totoloto.” Na altura, supostos amigos garantiam que parte da fortuna tinha sido gasta no jogo e em mulheres. Ele nega tudo. “Nunca fui gajo de vícios. Nem álcool, nem droga. O único vício que tenho é o tabaquito.”

Desde então, foi resistindo como pôde. Depois de anos na rua, a “viver com o dinheiro dos carritos”, teve a ajuda do Centro Social de Paramos (Espinho), onde chegou a pernoitar. Mais tarde, do Centro de Assistência Social de Esmoriz. Foram eles que o ajudaram a encontrar a casinha onde reside agora, um rés-do-chão lúgubre e pouco acolhedor, que lhe permite viver em paz com uma cadela e duas gatas. Desde dezembro que vai recebendo a reforma. 300 e poucos euros, dos quais mais de 200 vão diretos para a renda da casa e despesas.

“Sobram-me 80 euritos, que mal ou bem vão dando para aquilo que eu preciso.” Tantos anos depois, continua a jogar, agora no Euromilhões, com cinco dos sete números que há 19 anos lhe valeram o grande prémio. “Todas as semanas. Eu sei que é um bocadinho impossível voltar a sair, mas não há uma sem duas, não é?” E se o impossível acontecesse, voltava a dar a torto e a direito? “Se quer que lhe diga acho que sim. Eu sou assim. Dou até ao último tostão. Tinha só mais cuidado com os oportunistas.”

Fonte
NMagazine

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