A ria – Ricardo Alves Lopes
Um livro, um livro basta-me para viajar por muitas vidas, para sentir muitas coisas e imaginar tantas outras.
Um livro na algibeira, um carro a rumo de um qualquer destino e parto estrada adiante. Onde poderei parar? Ou, porventura, o que poderei escrever?
Escrevesse eu um livro sobre Ovar e deixar-me-ia ficar horas a fio pela paisagem da ria. Bem sei que temos mar e azulejos, que existem muitos sítios por onde parar para chegar a inspiração ou permitir a serenidade de uma leitura. Mas a ria, o cravejar do vento entre as baixas florestações, os movimentos circulares da corrente, a maré a subir e a baixar, os parcos barcos que ainda por ali circulam, as pessoas que a atravessam, pela estrada, em menor quantidade, e estaria o meu local de eleição para a redacção.
Sou um rapaz urbano, que gosta de toda a agitação que uma cidade traz, ou devia trazer. Não me imagino a viver arredado de grandes centros urbanos, pela certeza que necessito da escolha para ser livre. Não me basta ter uma coisa para fazer, mesmo que faça sempre a mesma coisa. Gosto da sensação de que tudo depende da minha vontade e escolha, independentemente do que faça com essa liberdade. Para mim, ser livre, é isso. E feliz, também.
Porém, nem sempre escolho a urbanidade. Gosto da calmaria recatada que a ria me oferece, numa das suas esplanadas, quando é tempo disso, ou no conforto de uns sofás para ela virada. Gosto de navegar pelo meu computador, pelas linhas que crio. Mas, mais do que isso, gosto da solidão repleta de pessoas dos meus momentos de leitura. Não sei lidar com a solidão, mas careço do isolamento. E Ovar dá-me isso. Dá-me escolha.
Naturalmente, sei que não somos uma cidade de diversidade como uma capital ou Porto, mas não deixamos de ser uma cidade, com a vantagem de ter esse recato em partes. Gosto de ler e pensar. É verdade, gosto de parar para pensar enquanto leio, digerindo palavras que me levam a sensações. Preciso de um ar só meu, de uma paisagem só minha e de uma análise de mais ninguém. Para acelerar, antes tenho de abrandar.
E hoje, neste texto, escrevi apenas sobre a alegria que, para mim, é ter uma ria a cruzar-nos a cidade. O vento a bater nas árvores, a água a chilrear como se fosse um pássaro, as folhas do livro a moverem-se sozinhas e eu a sonhar. É assim a minha relação com a ria. Sozinha, nunca solitária.
Ricardo Alves Lopes (Ral)
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