Saúde

A saúde em Ovar há 200 anos – Marco Pereira

Em 1812 e 1813, portanto há cerca de 200 anos, o Jornal de Coimbra publicou um conjunto de quatro textos, respeitantes a assuntos de saúde em Ovar. Nestes textos faz-se um retrato diversificado da localidade, informando de doenças mais e menos comuns, seu tratamento, assim como a identificação dos médicos e cirurgiões activos, por conta da Câmara Municipal.
Também nas Memórias e datas para a história da Vila de Ovar, de João Frederico Teixeira de Pinho (C.M.O., 1959, pp. 307-309), constam os nomes de vários antigos profissionais de saúde vareiros. Alguns deles até estiveram activos há bem mais de 200 anos, ainda que não se faça disso uma rigorosa localização temporal. Outras informações diversificadas sobre saúde se encontram na Monografia de Ovar, do Dr. Alberto Sousa Lamy.
Transcrevem-se abaixo os quatro textos publicados no Jornal de Coimbra, há cerca de dois séculos, mantendo a interessante ortografia original.

Marco Pereira
Jornal “João Semana” [Ovar], ano 99, n.º 21, 15.11.2013, p. 5
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Doc. 1
Extracto da Conta, pertencente ao mez de Janeiro, dada por Theotonio Pinto da Cunha, Médico do Partido de O’var, Provedoria de Aveiro
O’var he huma Villa da Provincia da Beira, situada a meia legoa do mar, e a 5 legoas das Cidades de Aveiro e Porto, entre as quaes está collocada. E’sta Villa tem o comprimento de hum quarto de legoa de Norte a Sul, e de menos da terça parte de Nascente a Poente: he plana, suas ruas largas, e sempre muito limpas. O terreno he arenoso, porém apezar d’isto he fertil á custa da indústria dos póvos. Por todo o comprimento da Villa ao Nascente corre hum pequeno rio, que entrando no meio d’ésta, une-se a outro, que o corta em angulo recto, e ambos unidos na direcção exposta, vão lançar suas agoas na grande Ria de Aveiro. Tem algumas fontes de boas e abundantes agoas. Não ha pântanos ou charcos, que perjudiquem a saude dos póvos.
O clima he temperado. Além d’outros ventos o Sul e o Norte são mui constantes; o segundo mais, e de verão mitiga muito o calor, que em outras terras se faz sentir ardentissimo.
E’sta Villa he muito povoada, pois com os seus suburbios, que farão a terça parte do todo, conta acima de 3:500 fogos, que abrigão mais de 20:000 habitantes, dos quaes a terça parte será de menor idade. Hum terço d’ésta povoação occupa-se na pésca do mar ou do rio, quando aquelle a não permite. O estado physico dos habitantes he bello: são pela maior parte altos, membrudos, proporcionados, robustos, de boas côres, laboriosos, e soffrem grandes trabalhos, a que são habituados desde crianças, bem como ao frio e calor; alguns vivem longos annos e com tobustez.
Há dous modos principaes de vida nos habitantes de O’var, a que se deve attender em quanto podem figurar como causas de molestias: o 1.º he o da pésca: o 2.º o officio de fazer louça. – O officio da pésca he muito laborioso e penoso: exige muito animo para se atreverem a sulcar as ondas em hum pequeno barco, e governallo muitas vezes debaixo de temporal; depois do que segue-se o grande trabalho no aproveitamento da pésca, que se faz á custa de muitas fôrças. Os pescadores são obrigados de inverno a ir meia legoa ao mar duas horas antes do dia, expostos á maior força do frio, a humidade do ar, e molhando todo o corpo com as ondas: pelo contrario de verão soffrem sem o menor abrigo ao intenso calor do Sol. Como a pésca he muito contingente, por isso quando o mar a não permitte, os pescadores vivem em indigencia, empregão-se em trabalhos superiores ás suas forças, e usão de maos alimentos; do que tudo nascem muitos males e molestias. O trabalho dos Oleiros não deixa de ser penoso, e mais ainda de inverno, sendo obrigados a estar mal vestidos, com as pernas núas, e as mãos sempre molhadas.
A falta, e má qualidade de alimento, indigestões por debilidade do estômago, a mudança repentina de frio para calor, e vice versa, a irregularidade das estações, e o excessivo trabalho são as causas mais frequentes e provaveis das molestias a que estão sujeitos os moradores d’ésta Villa.
As molestias, que mais grassárão no mez de Janeiro, forão febres intermittentes, remittentes, da mesma indole das intermittentes, catarrhaes, e diarrhéas. A marcha, e tratamento d’éstas molestias não apresentou circunstancias dignas de particular nota.
Jornal de Coimbra, vol. 4, 1813, pp. 226-227
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Doc. 2
Bubão. – Francisco Leonardo de Carvalho, Cirurgião d’Ovar, conta que F. casado, estando tempo fóra de sua casa, e companhia de sua mulher, recolheo-se perfeitamente bom 15 dias depois de ter hum coito com outra mulher: dous dias depois começarão a apparecer dous bubões; e immediatamente se separou outra vez de sua mulher; assim mesmo porém começárão a esta 15 dias depois outros dous bubões: mostrando-se por este caso, que huma pessoa contagiada de virus venereo, sem effeito sensivel ainda, póde contagiar outra.
Carbunculo. – Antonio Vicente Rodrigues da Silva Nogueira, Cirurgião do P. da Villa de Ferreira Suzam, Provedoria d’Aveiro, tratou hum carbunculo. Sarjou-o superficialmente, e applicou-lhe espirito de vinho quente com theriaga: aberta a chaga, tratou-se com unguento egipciaco, espirito de terebinthina, balsamo peruviano, çumo d’arruda, e theriaga magna; e sôbre tudo isto huma cataplasma d’hortelã, losna, valeriana, arruda, e mangerona.
Jornal de Coimbra, vol. 5, 1813, p. 15
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Doc. 3
Virus Venereo. – F., da Villa d’Ovar, 38 annos de idade, bom temperamento, tendo adquirido virus venereo, e abusando de licores espirituosos, sobrevierão-lhe chagas á garganta, e huma tão grande inflammação na lingoa, que lhe não cabia na bôca, e sahia por entre os dentes, que a ferião, e quasi cortavão: chegou a não podêr articular palavra, nem comer; só bebia, mas para isso era necessario metter a bôca em huma bacia de caldo, ou ágoa, sendo assim que sorvia alguma cousa. O Cirurgião Pedro José Pereira d’Andrade da dita Villa, sendo chamado n’este estado de molestia, acabou de cortar a parte da lingoa que estava para fóra dos dentes, e por estes já meio cortada. O doente nada sentio; applicárão-se-lhe antisepticos, escaroticos, etc. mas o doente em poucos dias morreo.
Jornal de Coimbra, vol. 5, 1813, p. 30
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Doc. 4
Médicos e Cirurgiões com actividade em Ovar:
– Theotonio Pinto da Cunha, Médico, da Câmara de Ovar;
– Manoel Lopes da Silva, Cirurgião, 1.º da Câmara de Ovar;
– João Baptista, Cirurgião, 2.º da Câmara de Ovar;
– Francisco Leonardo de Cavalho, Cirurgião, 3.º da Câmara de Ovar;
– Manoel José d’Assumpção, Cirurgião, 4.º da Câmara de Ovar (de Sande, termo de Ovar);
– Antonio Vicente Rodrigues da Silva, Cirurgião, da Câmara de Vileirinho (sic), freguesia de Valga (sic);
– Antonio Joaquim José da Silva, Cirurgião, da Câmara de Cortegaça (de Gavinho, termo do Couto de Cortegaça).
Jornal de Coimbra, vol. 2, 1812, pp. 457-458

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