As Palavras são como as Pedras… – Por Sérgio Lamarão Pereira
Escrever é atirá-las ao acaso, à medida que as apanho, à medida que os conceitos vão surgindo na minha mente. As folhas de papel são o chão onde as pedras se vão aglomerando, se vão acumulando num amontoado sem sentido.
Numa primeira fase, um amontoado caótico pelo movimento rápido e furtivo com que foram e são atiradas, com a velocidade vertiginosa que surgem e irrompem na minha mente. Vão saindo, vão fruindo desordenadas e inestéticas. Vão rolando ao acaso atiradas por mim e empurradas pelo vento, a uma altura nem sempre constante.
Numa segunda fase, pego nelas, nas pedras, nas palavras. Escolho as mais bonitas, as que melhor se adaptam e sobressaem no fundo do aquário, à textura do papel. Pego uma a uma e limpo-as, penso-as, escolho as mais maciças e robustas para aguentarem a pressão e a erosão do tempo. Pego nelas, nas palavras, e coloco-as em linha formando uma frase. Pego nas pedras e coloco umas, retiro outras, até formar um conjunto coeso e agradável. Já não as atiro, nem as coloco à sorte. Começo a dar-lhes algum sentido.
Começo então por as lavar, por as calibrar. Por polir as que apresentam arestas mais agressivas, embora deixe algumas para que quem as venha posteriormente a tocar sinta uma certa agressividade nas palavras. Para que fiquem sensibilizados e reflitam no quanto pode a natureza ser agressiva, a natureza das palavras e da vida.
Numa terceira fase, dividida em várias fases e subdivididas em tantas outras, vamos sendo mais criteriosos na escolha. Nem todas interessam! Vão sendo crivadas com mais rigor, vão sendo fruto de uma seleção mais exigente. Razão mais clara, palavras britadas, peneiradas, lavadas, ordenadas, ficando articuladas, que acabam por formar um todo coeso. Vou partilhá-las com outros sujeitos, para que também eles possam apreciar a sua beleza, o seu conteúdo. Estas pedras, estas palavras, são colocadas de forma a transmitirem beleza e sensatez para quem olha para elas, para quem as tenta decifrar.
Nesta fase, quem as toca, quem as dispõe por uma determinada ordem, quer sempre acrescentar mais pedras no aquário, quer colocá-las em múltiplas posições, como forma de explorar as inúmeras possibilidades de transmitir determinados pensamentos aos recetores que para elas vão olhar, para as frases que irão interpretar.
A água do rio do meu pensamento, com o passar, com o correr nessa sua cadência nem sempre certa, vai polindo as pedras, vai dando forma às palavras, aos signos. Vão-se tornando num conteúdo agradável para quem as toca. As suas formas são tão díspares como aquilo que pretendem transmitir. O conteúdo tornado forma carrega, por vezes, tanta dureza, como beleza.
Palavras que definem. Pedras que delimitam. Palavras que criam vidas, mundos, poemas e histórias.
Sérgio Lamarão Pereira
18/10/2020