As paredes do comboio – Ricardo Alves Lopes
Durante muitos anos, fiz a minha vida entre as carruagens amarelas do suburbano e cidades diferentes. Nas manhãs gélidas de inverno ou nas ensolaradas de finais de primavera, lá ia eu, cidade afora, até desembocar na nossa estação.
Não posso ser indiferente à idade das paredes da nossa estação, por muito que seja um menino nestas andanças da vida. Passei ali momentos bons e maus, no que a expectativas se refere. Nunca tive um grande acontecimento realizado na estação, excepção às ânsias que por ali senti. A estação de Ovar está associada às minhas partidas para as primeiras férias com os amigos, à minha primeira mudança de cidade para estudar, à segunda, às grandes festas dos tempos académicos, aos nervos dos exames decisivos, à alegria dos caminhos percorridos, nos estudos e na vida. Ela sempre esteve lá, a estação. Nunca falou para mim, mas também não era o que eu necessitava. Precisava do silêncio dela, somente a escutar os meus batimentos, a apoiar-me no aconchego dos seus murais de azulejo, a apitar-me nos ouvidos os comboios, lembrando-me que a vida segue sempre.
Por estes dias, assisti à notícia que, em parceria, vem por aí restauro e preservação da fachada. Para desgosto dos que preferiam uma nova estação, fiquei feliz. Parece-me bem, se for uma preservação ajustada, pensada e moderna. Não quero que os azulejos desapareçam e acho que podem estar ainda melhores do que estão, ao contrário de muitos. É verdade que pouco ando de comboio agora e, por consequência, pouco uso dou à estação, o que faz de mim dos menos habilitados a ter uma palavra a dizer. Porém, esta minha insubordinação de pareceres obriga-me a escrever este texto.
É lógico que a estação necessita de melhorias, de aperfeiçoamentos, de evolução. A estação de Ovar não é diferente de tudo o restante na vida, precisa evoluir. Mas, para evoluir, é necessário destruir as marcas do passado? Para melhorar é preciso quebrar com tudo o que existe?
Para mim, que sou um romântico incurável, diria que não. A estação pode ser aperfeiçoada, no que às passagens de linha se refere, no que ao desconforto do inverno diz respeito, no que à segurança toca, mas sem destruir a imagem de marca dela. No verão, ou em outras fases do ano, somos turistas, visitamos outras cidades e localidades e regozijamos com as marcas de história, com a forma como cidades conseguem juntar a história à modernidade, mas, depois, no nosso quotidiano, sentimos que para evoluir necessitamos apagar o passado, destruí-lo e trazer de raiz algo novo. Construir de base, o que já tinha base lançadas.
Eu não concordo. Acho muito bem o protocolo de ‘rejuvenescimento’ da fachada da nossa estação. O nosso passado é o primeiro passo do nosso futuro e devemos orgulhar-nos dele. Eu orgulho-me e não acho que seja um disparate, ou um tacho, conforme li, esta iniciativa. Acho é que ela não pode ser isolada. O restauro, ou preservação, deve ser apenas o respeito pelo passado. A implementação de mais medidas de segurança, o ajuste do já existente à mudança dos tempos e necessidades, deve ser o pano de fundo que engrandece a obra de restauro.
As coisas são boas, quando são inteiras. A metade do restauro apoio, a outra, a fundamental para o sentido funcional das coisas, fico a aguardar. Com a certeza que o só bonito não serve, mesmo não devendo ser esquecido.
Esta é a opinião de um rapaz, miúdo, que já usou muito a estação e não a esquece. Silenciosa, fria mas aconchegante, sempre a desejar-nos bom-dia e a agraciar-nos no regresso a casa. Ela é uma das nossas portas e não acho que deva ser fechada. Prefiro que se abram janelas, preservando esta nossa porta de azulejo bonito.
Ricardo Alves Lopes (Ral)
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