Opinião

As pessoas de Ovar – Ricardo Alves Lopes

 

Raras são as vezes em que tenho folgas a meio da semana. Esta semana, logo no começo, foi uma meia excepção. Tive um dia em casa, com trabalho para fazer.

Num concelho bastante atingido pelo desemprego, sou um felizardo de ter emprego, de estar livre da possibilidade de trabalhar ao tempo, com chuva e sol, tendo o meu labor centrado num computador. Desse modo, pela manhã, com o corpo a acordar sem despertador, ciente de que tinha trabalho para fazer, decidi-me rápido: não é dia de trabalhar em casa.

Com a dormência de uma manhã que não costuma ser daquele modo, passei o corpo pelos pingos de água do chuveiro, levei uma revista à cozinha, tomei o meu café e abispei caminho, com o computador debaixo do braço, sem destino. O carro circulou pelas ruas do centro, desceu até ao Furadouro, passou pela pacificidade da estrada da mata, atravessou Maceda e Cortegaça, roçou o Buçaquinho e estacionou em Esmoriz. Era um dia para o trabalho, mas também era um dia para o concelho. Estava a galgar parte dele.

Num café, próximo da praia, viajei os olhos pelo jornal, agucei a atenção e deixei-me levar, paulatino, até ao trabalho. Durante algumas horas não houve mais nada, só trabalho, mas, depois, o dia iria prosseguir. Luzes acesas, com o céu carregado, e os pingos a inundarem a pára-brisas, avistei a praia, vi alguns pescadores e até troquei umas palavras. A beleza de, pontualmente, fazer programas sozinho é a liberdade que nos dá de receber outras pessoas, em prosas sem sentido aparente mas que nos alagam de sensações. Uma pessoa diferente é uma pessoa que nos traz algo diferente. E não ganhamos apenas com pessoas de quadrantes elitistas, ganhamos com pessoas que não vivem as mesmas vidas que nós. Ganhamos com todos, portanto.

Por isso, digo que Ovar (o concelho, não a cidade) é feito de uma tessitura que nem ideamos. As pessoas são belas pela sua pureza e natureza humilde. Se há excepções? Claro que as há, mas são elas que fazem a regra.

Não passei o resto do dia sozinho, mas guardei a lembrança daquela prosa. O trabalho, tantas vezes malfadado, levou-me a um pequeno pedaço de inspiração e não podia deixar de o partilhar com vocês. A vida é feita de pequenas coisas, de minúsculas ocorrências que nos definem, e só somos felizes se formos capazes de as identificar. Na hora, ou no momento de escrever um texto. Aqui fica a minha alegria, de ser mais uma das pessoas de Ovar.

Ricardo Alves Lopes (Ral)
http://tempestadideias.wordpress.com
[email protected]

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