Cecília e Mário Sacramento viveram a arte enquanto lugar de liberdade
Nascida em São João de Ovar, território que hoje pertence à união de freguesias vareira, Cecília Sacramento viveu parte da sua vida em Ílhavo e Aveiro, defendendo a liberdade, ao lado do marido, e dedicando-se às letras.
Na Literatura, Cecília Sacramento estreou-se aos 75 anos de idade, com a publicação do livro intitulado “Apenas uma Luz Inclinada”.
Cecília Marques Maia – o apelido Sacramento recebeu-o após o seu casamento com o médico e escritor Mário Sacramento -, nasceu no lugar de Cabanões, no concelho de Ovar, no dia 16 de Fevereiro de 1918 e faleceu em Aveiro, no dia 24 de Setembro de 2005, com 87 anos de idade.
Era irmã da pintora e escultora Maria Lúcia Marques Maia (Lúcia Maia), que deu os primeiros passos na pintura precisamente por incentivo da irmã Cecília, a sua “fã n.º 1”, como referiu a pintora numa entrevista publicada no jornal “João Semana”, no dia 1 de Maio de 2011.
Desde cedo que Cecília Sacramento mostrou vocação pelas “Letras”, tendo “herdado” os livros do tio materno, Padre José Maria Maia de Resende, primeiro director do jornal “João Semana”.
O casamento com o médico ilhavense Mário Sacramento aconteceu no ano de 1944, pelo que fixou residência em Ílhavo. No entanto, doze anos mais tarde, o casal mudou a residência para Aveiro, onde Cecília Sacramento leccionou na então Escola Comercial e Industrial de Aveiro (actual Escola Secundária Dr. Mário Sacramento).
O casamento com Mário Sacramento (falecido em 27 de Março de 1969) trouxe a Cecília Sacramento uma vida algo agitada devido à sua activa luta em prol da Liberdade e da Democracia, facto que lhe valeu a perseguição do regime político de então. No entanto, também proporcionou contacto com políticos, escritores e artistas.
Artes plásticas
A par da Literatura, Cecília Sacramento dedicou sempre um carinho especial às artes plásticas, incentivando a irmã Lúcia Maia a estudar pintura e escultura, artista com atelier em Coimbra.
Esse gosto pela Pintura está patente nos livros de Cecília Sacramento, com capas concebidas por artistas plásticos como o ilhavense Cândido Teles, o aveirense Jeremias Bandarra e a sua própria irmã, Lúcia Maia.
Livros publicados
Em 1993, Cecília Sacramento deu início a uma carreira literária com a publicação do seu primeiro livro (romance), intitulado “Apenas uma luz inclinada”, editado pela Editora Estante, de Aveiro, livro que estava pronto desde 1983. No ano seguinte publicou o livro “Uma Flor para Manuela”, também editado por aquela editora aveirense. Em 1995, com edição da Câmara Municipal de Aveiro, publicou o romance “Palavras de Luz”.
Depois de quatro anos de interregno, Cecília Sacramento publicou o livro de contos “Tempos do Tempo”, editado pela Câmara Municipal de Ílhavo, numa edição comemorativa dos 25 anos do 25 de Abril.
Em 2000, a autora publicou o livro “O Rasto dos dias” e, no ano seguinte, “Por terra batida”, com edição da Editorial Notícias. O seu último livro, intitulado “Cidade Azul”, foi publicado no ano de 2003.
Quando da sua morte, Cecília Sacramento estava a escrever um livro que se deveria intitular “Asas do Silêncio”.
Cecília Sacramento convidou para apresentar “Apenas uma luz inclinada” um seu antigo aluno – Joaquim Correia – professor na Universidade de Coimbra. “Uma Flor para Manuela” foi apresentado pelo artista plástico aveirense Vasco Branco, sendo a apresentação de “Palavras de Luz” feita pelo crítico literário Mário Castrim, um ilhavense “companheiro de luta” de Mário Sacramento.
“Tempos dos Tempo” foi apresentado por Torrão Sacramento, director do jornal “O Ilhavense”. O professor universitário Pedro Calheiros apresentou “O Rasto dos Dias”, que também apresentou “Por Terra Batida”, em Ovar, enquanto a apresentação em Aveiro esteve a cargo do também professor Eugénio Lisboa.
Para além dos livros que publicou, Cecília Sacramento colaborou com alguns jornais, numa intervenção cívica e literária “com tradição na família”, de que são exemplos o marido Mário Sacramento e a filha Clara Sacramento, antiga directora do semanário aveirense “Litoral”.
Recentemente, evocou-se o centenário do nascimento de Mário Sacramento, expoente máximo do neorealismo português. O Presidente da República atribuiu-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, em cerimónia decorrida no Palácio de Belém.
“Trata-se de uma distinção que muito honra a família e que aparece numa altura particularmente simbólica, dado ser hoje o derradeiro dia do centenário do nascimento do meu avô”, comentou o neto, Vasco Sacramento, empresário e produtor cultural.
Enquanto dinamizador do I Congresso da Oposição Democrática, Mário de Sacramento teve importância vital na luta pela liberdade e na machadada que o governo fascista levou que abriu o caminho para o 25 de Abril. Foi “um marco histórico” na história contemporânea portuguesa.
Em Ílhavo – terra natal do médico e político -, os 100 anos do nascimento de Mário Sacramento também foram evocados. Em Aveiro, neste sábado, o presidente da Câmara local, Ribau Esteves, disse: “Nunca abracei uma mulher mais fascinante do que Cecília Sacramento”. Em Ovar, onde o “médico do povo” tem uma rua com o seu nome, Cecília Sacramento está practicamente votada ao esquecimento.