Opinião

A triste sina do Cine-Teatro de Ovar! – Filipe Marques Gonçalves

A longa vida do edifício do Cine-Teatro de Ovar acabou num cenário deprimente e indigno face ao papel cultural que desempenhou durante várias gerações. A impotência dessas mesmas gerações e das opções políticas permitiram este final!

Mas, o que teve de inovador ou de bravura a tomada de posse administrativa do edifício, nas condições em que ocorreu e perante as circunstâncias que se verificavam? Nada! Depois das derrocadas verificadas, a autarquia fez aquilo que qualquer um faria… por força do perigo iminente que o edifício oferecia para as pessoas e bens… Qualquer responsável autarca, perante aquele cenário, tinha obrigação de o fazer… mas com menos show-off e sem o deprimente espectáculo que se assistiu (e que se tem vindo a assistir).

Não é despiciendo relembrar, todavia, que uma semana antes da tomada de posse administrativa, sim… uma semana antes, não obstante os alertas para a situação que se verificava, o mesmo executivo referiu que “não há grande risco para a via pública, dada a configuração das paredes”. Era este o optimismo do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ovar (CMO), que era contrariado pelo que se verificava no local. E, então? Não há apuramento de responsabilidades relativamente a esta “avaliação”? Parece que não!

O poder político tem o dever de ser discreto nas suas actuações, e nesta em particular, pois trata-se de um edifício privado. Mas também tem o dever de não permitir que o edifício tivesse chegado a este estado. Todos os autarcas (os actuais, que já levam 3 anos de mandato, e os anteriores) não estão isentos de culpa, tanto mais que o actual Presidente da CMO foi Vereador no anterior mandato socialista e, portanto, tinha obrigação de conhecer aprofundadamente os dossiers… sem precisar de aguardar duas derrocadas do edifício!

Agora, confesso que me surpreende (como leigo que sou nesta matéria) a demolição “quase” total do edifício, quando o mesmo ainda é propriedade privada… Como leigo que sou, repito! É importante conhecer o teor da notificação que foi remetida para os proprietários com o teor da intervenção exigida pelos técnicos da CMO, para aferir se essa intervenção era tão “abrangente” quanto a que se verifica hoje no local e que está a ser levada a cabo, coercivamente, pela autarquia, pois só assim poderemos perceber o significado de “demolição parcial”.

Deixo um alerta, não se esqueçam que esse ainda é uma propriedade privada e os seus proprietários, independentemente de terem (ou não) omitido regras de segurança do edifício, têm direitos, como todos os proprietários, incluindo os de muitos edifícios do centro urbano que se encontram também em más condições de insalubridade. Não podemos ter dois pesos e duas medidas, devemos impor deveres, mas também cumprir as nossas obrigações de forma isenta.

Sobre a demolição (que se não é total…) que está a ser levada a cabo, relembro que em 2015 a DRCC barrou a demolição do Cine-teatro, cujo pedido já vinha de 2009, dada a qualidade arquitectónica e construtiva do edifício… E vendo o que se está a passar naquele edifício privado, relembro que a autarquia tem um projecto que passa por “uma demolição parcial, aproveitando basicamente a fachada e talvez a cave. Esta é a base do projecto de reconversão do Cine-Teatro de Ovar que a Câmara Municipal de Ovar integrou no Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano de Ovar que candidatou (…) a Fundos Comunitários relacionados com a Política de Cidades. Segundo foi possível apurar, a ideia do presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, é fazer do imóvel recuperado do Cine-Teatro de Ovar, uma porta de entrada nobre do Parque Urbano de Ovar”.

Impõe-se, assim, levantar algumas dúvidas: então o projecto de demolição que consubstanciou a tomada de posse administrativa previa o quê? Sanar as partes do edifício que apresentavam riscos, ou demolir tudo e deixar apenas a fachada??? E, depois da conclusão dos trabalhos de demolição, os proprietários demolirem também a fachada? Como ficamos??? E agora, como ficamos em termos de uso do “edifício”? Valorizou… e mantém o mesmo destino ou os proprietários estão “livres para o vender”?

A autarquia tinha que zelar pela segurança das pessoas e dos bens e só o conseguiria fazer tomando posse administrativa. Mas não estará a autarquia a fazer mais do que aquilo que lhe competia, num imóvel particular? Bem, estas questões devem estar acauteladas pela CMO, pois não acredito que permitissem que um dia mais tarde os custos de toda esta operação, num imóvel privado, viessem a ser imputados ao Município, ou seja, a todos nós…

Não podemos descurar um princípio constitucional muito importante, o da proporcionalidade. O que o legislador pretendeu foi, atendendo aos princípios da necessidade e do respeito dos interesses dos particulares, que a Administração não imponha sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para atingir os seus fins. Não devem os órgãos municipais perder de vista que devem obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, que, sendo aplicáveis em qualquer circunstância à actividade dos órgãos administrativos, merece aqui especial relevo.

Filipe Marques Gonçalves
17.08.2016

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