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Como o GAV quebrou barreiras e preconceitos em Ovar

As novas gerações apenas se lembrarão que o GAV – Grupo Atlético Vareiro é uma rua que possui um pequeno mas útil parque de estacionamento na cidade de Ovar. É verdade, mas o GAV foi muito mais do que uma simples colectividade ou um nome numa placa e teve uma enorme importância para a vila de Ovar no período anterior e que se seguiu ao 25 de Abril.

A obra do GAV foi relevantíssima, “porque não havia nada”, frisa Augusto Arala Chaves, vareiro que esteve na sua génese e recorda o GAV com muito carinho e saudade: “Foi uma colectividade fundada quando eu tinha 16 anos”. “Fui o sócio número um”.

Mas o GAV não foi obra de uma só pessoa – O cantor Manuel Freire, entre outros, também ajudou. Augusto Arala Chaves conta: “Fundei o GAV com alguns amigos e hoje tenho a certeza de que foi uma associação que realizou uma obra muito importante na comunidade vareira, porque não havia nada naquela altura”.

No GAV, recorda o jurista vareiro que integra o Conselho Superior do Ministério Público, “disponibilizamos escolas de ginástica em todos os escalões, que funcionaram muitos anos e bem, tivemos ballet, equipas de andebol, ténis de mesa, fomos muitas vezes campeões distritais”.
Naquele tempo, já o GAV tinha equipas femininas e as direcções do grupo “eram compostas por rapazes e raparigas, o que era quase inédito”. “Vencemos muitas barreiras, na altura, incluindo algumas culturais”, atenta Arala Chaves.

“Num tempo em que as senhoras só iam ao café acompanhadas dos maridos ou dos pais, até nisso vencemos as barreiras”, recordando que “íamos com elas ao café, as pessoas olhavam mas depois acabaram por se habituar. Vencemos essa barreira e muitas outras”.

Já naquele tempo, e estávamos em meados dos anos 1970, “tínhamos uma secção de beneficência que ajudava alunos que tinham bom aproveitamento escolar mas que se debatiam com dificuldades financeiras, dávamos explicações e ajudamos, pelo menos, três alunos a concluírem com sucesso os seus estudos e que hoje estão bem na vida”. “Se não fosse o GAV não teriam tirado os seus cursos, isso é certo”, realça.

Na sua secção cultural, o GAV organizou concertos, levava gente ao Porto ver música, exposições de pintura, fotografia, cerâmica de Rosa Ramalho, por exemplo.

Augusto Chaves lembra-se bem que foi pela mão do GAV que “o Sá Carneiro veio a Ovar pela primeira vez”. “Veio cá para dar uma palestra sobre direitos, liberdades e garantias, que foi muito mal tolerada pela PIDE, que não pôde fazer nada, pois o Sá Carneiro fazia parte da União Nacional, mas da ala liberal”. Assim, “ele veio, deu a palestra e correu tudo bem”.

“Trouxemos a Ovar figuras nacionais muito conhecidas, como o poeta Ary dos Santos, entre outros”, recorda também.

Muitos mais episódios havia para descobrir, mas Arala Chaves escolhe um que “vale a pena contar”. “Éramos jovens, não tínhamos intenção de politizar fosse o que fosse e, um dia, decidimos criar uma peça de teatro. Foi o nosso ensaiador que escolheu o que levar à cena”. A selecção recairia na “Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, e “O Meu Caso”, de José Régio, que ensaiamos no Chalé do Matos, no Furadouro”.

“Quando levamos as peças à cena, em 1961, salvo erro, o teatro estava completamente cheio”. Mesmo antes de começar, “uma pessoa ligada ao regime veio ter connosco, muito compungido, a pedir para cancelarmos porque as peças estavam proibidos”. “E eu perguntei porquê”. Resposta: “O Júlio Dantas disse que a Ceia dos Cardeias só podia ser coreografada por grupos profissionais. O José Régio é contra o Salazar e por isso está no Index. Não pode ser, não pode avançar”.

Augusto Chaves, irreverente, não se deixou intimidar e retorquiu: “E qual é a consequência?” Respondeu ele: “Vocês podem ser presos”. “Claro que decidimos ir em frente. Felizmente, não aconteceu nada e ninguém foi preso”.

Outros tempos do país e de Ovar. Tempos em que o Grupo Atlético Vareiro foi precursor, desbravou caminhos e deixou, sem dúvida, a sua marca e lançou a semente para tempos marcados por um associativismo bastante dinâmico que ainda caracteriza o concelho ovarense.

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