Opinião

Conservação da natureza, biodiversidade, desenvolvimento sustentável e saúde

Celebrar o “Dia Mundial da Conservação da Natureza” (28 de julho) é refletir sobre a situação da natureza em Portugal e no mundo. Podemos associar a esta celebração a do “Dia Mundial do Ambiente” (5 junho) que, no presente ano, se propôs estimular a reflexão sobre a biodiversidade e as crescentes ameaças a que está sujeita. Estas resultam sobretudo da ignorância e de atos de vandalismo social, económico e político, condicionando a vida humana ao crescimento económico (de alguns), condenando a uma precária subsistência a vasta maioria da população mundial.

As Nações Unidas, ao promoverem estas iniciativas, remetem-nos para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2020), os quais visam promover o desenvolvimento social harmónico e o respeito pela natureza e seus ecossistemas, indispensáveis à sobrevivência das espécies, incluindo a humana.

Ao longo dos anos, o meu contacto diário com os alunos (predominantemente de Medicina) tem-me feito refletir sobre os conteúdos do curriculum e integração das questões de cidadania e justiça ambiental na prática profissional.
Constato com algum desencanto que a vasta maioria dos futuros médicos resolve estas complexas equações baseado no modelo de exame por perguntas de escolha múltipla e nos parágrafos, bem definidos, da bibliografia disponibilizada. Saber fazer perguntas e procurar respostas é muito mais complexo e pouco valorizado.
Felizmente que, ocasionalmente, encontro jovens médicos/médicas e outros profissionais de saúde que compreendem e valorizam o conhecimento e são garantes do futuro.

Neste contexto, regressemos à SPAVC e ao seu meritório contributo para enriquecer o conhecimento e a prática profissional.
Seguem-se alguns exemplos do que não aprendi na faculdade, os quais poderão servir de reflexão, ilustrando a ligação entre a clínica, o doente sintomático, a saúde pública e as políticas públicas e os objetivos da celebração em apreço.

A toxicidade dos metais pesados
Se mencionarmos a doença de Minamata recordar-se-ão, provavelmente, do aparecimento de um elevado número de doentes com diversos e complexos síndromes neurológicos, provenientes da comunidade piscatória de Minamata (Japão). A infeliz situação é um tratado de patologia do sistema nervoso. Os primeiros casos foram diagnosticados em 1956 e estabelecida a associação com a descarga de grandes quantidades de águas residuais industriais contendo metilmercúrio ou seus percursores e o desejável consumo alimentar da produção local – peixe! Um segundo episódio ocorreu na prefeitura de Niigata em 1965. Em 2001 foram reconhecidas oficialmente mais de 2000 vítimas das quais cerca de 80% já tinham falecido. Pelo meio assinale-se a atribuição de algumas compensações aos pescadores e o substancial crescimento económico da comunidade resultante da atividade da indústria. A negligência da empresa, a ocultação de evidência que dispunham e a sua subversão ilustram o desprezo pelo meio ambiente e, consequentemente, pelo ser humano.

Outro exemplo da utilização do mercúrio está associado à corrida ao ouro na Serra Pelada, estado do Pará, Brasil, iniciada em 1979. Para a separação do ouro utilizaram-se vastas quantidades de mercúrio, seguindo modelos de há milénios. A possibilidade de contaminação do peixe e animais que se alimentam do peixe é real, tendo sido documentados teores elevados de mercúrio no cabelo de comunidades indígenas as quais lutam contra a presença dos “garimpeiros”.
Não pode deixar de nos surpreender que tenham tido que decorrer várias décadas após os acontecimentos acima resumidos para que, com o patrocínio das Nações Unidas, apenas tenha entrado em vigor, em Agosto de 2017, a “Minamata Convention on Mercury”, tratado através do qual se pretende alertar para a ocorrência, exploração, usos deste metal e as consequências da sua libertação para o meio ambiente – ar, água e solo e subsequentemente, evitar / controlar a indesejável exposição dos seres humanos.

Nesta breve nota não há espaço para abordar, em detalhe, os riscos associados à exposição ao chumbo, particularmente grave quando ocorre na infância, acarretando atrasos significativos no desenvolvimento psico-motor das crianças. A abolição da gasolina com chumbo, e de tintas contendo o mesmo metal pesado nos brinquedos e nas habitações, assim como o controlo da exposição laboral (os pais transportam consigo, no vestuário, resíduos relevantes) muito têm contribuído para a significativa melhoria verificada, apesar de, entre nós, ser muito escassa a inclusão da avaliação da possibilidade de ocorrência deste “envenenamento” na avaliação neuropsicológica.

Qualidade do ar
São inúmeras as áreas em que a forte evidência acumulada é, sistematicamente, desvalorizada e questionada. Se há tema que, atualmente, deve merecer máxima atenção é a poluição do ar (atmosférico e ar interior) e o seu impacto na saúde dos cidadãos. Grande parte da investigação neste contexto tem-se centrado nos efeitos agudos deste fator de risco, sobretudo sobre o aparelho respiratório.

No entanto, desde a última década do século passado até ao presente, são inúmeros os estudos que têm estabelecido uma sólida relação entre a poluição atmosférica e os efeitos agudos e crónicos sobre os sistemas circulatório e nervoso. Recentemente, Lin e colaboradores analisaram os efeitos a longo prazo numa coorte de seis países de rendimento médio e baixo. Estimou que, em média, 6,5% dos AVC podem ser atribuíveis às partículas finas. Estas encontram-se no ar interior, resultantes sobretudo da combustão de produtos do tabaco e, no ar exterior, resultam das emissões dos veículos automóveis e outros motores de combustão, da queima de madeira e dos fogos florestais.

Podemos questionar-nos sobre o que se passa em Portugal no que respeita à qualidade do ar e as conhecidas recorrentes violações dos limites em áreas específicas do país. Quem observa as emissões de um elevado número de escapes que todos os dias passam por nós, certamente concorda com o parecer resultante da auditoria à qualidade do ar do Tribunal de Contas, disponibilizado recentemente:

“Portugal tem boas políticas sobre a qualidade do ar, mas falha noutros aspetos, como a sua concretização e acompanhamento, falta de recursos e falta de informação”.

Esta situação ilustra a crónica falência de que sofre a nossa sociedade – boas ideias e más práticas, das quais resultam riscos e um peso enorme para a saúde das populações.

Passar do conhecimento à acção de Saúde Pública será, inquestionavelmente, um dos pilares do nosso futuro.

Prof. José Manuel Calheiros
Professor Catedrático Convidado da Universidade Fernando Pessoa e Professor Catedrático Jubilado da Universidade da Beira Interior
Membro da Comissão Científica da Sociedade Portuguesa do AVC

Foto: Nuno Gabriel Moreira

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