C’um raio! É Natal… – Henrique Gomes
As janelas pareceram blindadas até hoje- escureceram as luzes destinadas a brilhar e silenciaram as músicas da época. Até há pouco, o Natal ainda não se tinha manifestado, ainda não tinha imposto o seu silêncio e o seu recolher obrigatório.
Para trás fica um quase gasto Dezembro, mês carregado de tarefas e mais curto do ano- parece que não há tempo para nada, que o mês se consome consumindo, correndo até com S. Silvestre e concorrendo à sorte grande.
Agora, fechada sobre si própria, a Praça vive a sua noite de quietude, em reconfortante solidão. Mas, c’um raio! É Natal… afinal é o silêncio que apregoa a sua chegada!
A janela entreabre-se e deixa entrar a silenciosa luz. De quando em vez, o empedrado protesta sempre que é atravessado por um qualquer veículo que ruma a outros destinos. E o proeminente silêncio instala-se de novo.
C’um raio! É Natal…toda a vida numa só noite. Fulminante, mudo, raio de longe alcance que rasga a imensidão sem queimar . Ilumina e põe à mostra, realça sombras e brilhos.
C’um raio raio! É Natal… dos aromas, dos presentes, dos ausentes, do que se repete e do que já é irrepetível. Tudo tão rápido mas não fugaz ou subtil. Do material e do imaterial. Saudade amarrotada em lugares vazios ou em procedimentos, agora, sem sentido. Sentido vazio em corações repletos.
C’um raio! É Natal… Dos laços irremediavelmente folgados e remexidos por interceções desajustadas e por vidas embrulhadas. Do lustre perdido, da bastarda polidez, da memória olvidada e dos desenraizados.
C’um raio! É Natal… Da pausa e do brusco retomar. Do silêncio que já ameaça partir.
Henrique Gomes