Cultura

“Agitana-te” aumenta sucesso escolar e atrasa casamentos ciganos

O projecto ‘Agitana-te’ arranca esta semana em Ovar, envolvendo diferentes entidades em acções destinadas a aumentar o sucesso escolar da comunidade local de etnia cigana e a evitar casamentos precoces aos 11 ou 12 anos de idade.

O programa é promovido pela delegação local da Cruz Vermelha e pela Cercivar – Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas de Ovar, cujos técnicos trabalham com professores e educadores para proporcionar melhores condições de aprendizagem aos jovens ciganos deste concelho do distrito de Aveiro, tentando evitar o abandono escolar que ocorre logo após o seu casamento no início da adolescência, como é norma nessa etnia.

“Temos uns 60 agregados ciganos no concelho, distribuídos por 12 comunidades, e devemos ter sido pioneiros a conseguir que essas famílias nos confiassem os filhos, fosse para ir à escola ou para outra actividade qualquer”, disse à Lusa o presidente da Cruz Vermelha de Ovar, Augusto Oliveira.

objetivo do ‘Agitana-te’ é ajudar crianças e jovens ciganos a assimilarem os conhecimentos adquiridos na escola, auxiliando os professores a integrálos devidamente na sala de aula e proporcionando a esses alunos acompanhamento individual nos trabalhos de casa. O programa visa também facilitar a inclusão socioprofissional dessa comunidade étnica, mediante apoio psicossocial, formação anti-bullying mediada por agentes da PSP e até workshops de expressão dramática direcionados para a resolução de conflitos.

A relação local de confiança entre “brancos e ciganos” começou a construir-se em 2013, com as visitas da educadora social Maria João Costa, da psicóloga Joana Falcão e de outros técnicos do projeto aos bairros que os cidadãos dessa etnia vêm construindo de forma improvisada em locais isolados como os pinhais de Válega, em terrenos próprios aos quais se acede por caminhos de terra.

“Só o esforço que é preciso para se sair de casa e chegar à escola, ou a pé com a mãe, que faz ida e volta duas vezes ao dia para levar e buscar os filhos, ou a caminhar-se sozinho até uma estrada onde passem autocarros, já desmotiva qualquer um”, admite Joana Falcão, enquanto conduz por solavancos de terra, a menos de 10 quilómetros por hora, a carrinha em que também transporta os jovens ciganos para atividades como visitas a museus, horas do conto e idas ao cinema.

É por essas “circunstâncias diferentes” que Maria João Costa defende que, mesmo quando “parece pouco, está ali muito trabalho” e só à superfície é que o balanço parece modesto.

“Em Ovar, agora há mais miúdos ciganos a ir à escola e a estudar até mais tarde. Alguns vão conseguir acabar o 12.º ano e, com sorte, um deles até vai entrar na faculdade”, antecipa a educadora, realçando que isso é ainda mais relevante ao ter-se em conta que a maioria desses jovens comunica entre a família num dialeto romani, pelo que o Português é uma das disciplinas que lhes exige mais esforço.

Fernanda Monteiro vive no acampamento de Portadona, tem pouco mais de 40 anos, casou-se aos 13, conta agora cinco filhos e, embora desgostosa ao lembrar-se que o que “tinha melhor cabeça” abandonou o 8.º ano logo após o casamento, deposita novas esperanças em Ana, de 12 anos: “O que eu mais quero é que ela faça a escola, não tenha pressa em casar e arranje um emprego. Era a minha maior alegria!”.

Maria João Costa realça que a questão do casar não é, entre a comunidade cigana, um mero capricho romântico: “É uma questão de independência, é passar à idade adulta. Para eles, o objetivo de vida é constituir uma família e, quanto mais cedo se casarem, mais cedo ficam independentes dos pais e passam a ser encarados como adultos pelos outros”.

Fernanda afirma que a educadora e a psicóloga lhe “caíram do céu” para ajudar na educação dos filhos e conta à Lusa porque confiou nelas desde o primeiro momento: “Não puseram obstáculos por sermos ciganos, olharam-nos como iguais, com muito respeito, e isso chamou-nos logo a atenção. Hoje são da família”.

Ana é menos desenvolta a conversar, mostra-se tímida perante as atenções e, embora sempre sorridente, questiona a mãe em dialeto antes de emitir respostas quase telegráficas. Gosta de andar na escola? Diz que “sim”. Preferia casar-se já? Responde que “não”, com uma careta de horror. Sente-se discriminada pelos outros jovens? “Pelos colegas, não, mas por uma professora, já senti. Sempre que havia barulho na turma, era sempre só comigo que ela implicava”.

A mãe não gostou de ver repetir-se a situação e tratou do assunto. Foi à escola, pediu para falar com a docente em causa e disse-lhe que da próxima vez que sentisse que a filha era vítima de discriminação chamaria a polícia ao local porque “os racistas têm que ser presos”. Continuou: “Perguntei-lhe se achava que o sangue dela era diferente do meu. ‘O teu sangue é vermelho e o meu por acaso é amarelo?’. Depois disse-lhe que ou melhorava a bem ou a mal, e ela passou a ser a melhor professora da minha filha”.

Ana mantém-se reservada, mas diz que aprecia particularmente Matemática, que gostava de vir a ser esteticista e que vai tentar estudar até aos 18 anos. “Já não era mau casar só nessa altura”, avalia, para tranquilidade da mãe, que disfarça um sorriso maior só para a filha não pensar que o assunto não é sério.

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