Opinião

Memórias de Maria Barroso entre nós – José Lopes

A morte de Maria Barroso na passada madrugada do dia 7 de julho, no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, em que se encontrava internada desde 25 de junho, em estado de coma, depois de ter sofrido uma queda em sua casa, despertou a memória coletiva de um povo para todo um percurso de vida que mereceu um justo consenso nacional sobre uma mulher pragmática de convicções fortes, que lutou para concretizar os seus sonhos.

Sonhos de tornar o mundo melhor, em que deixasse de ser um sitio de violência, de intolerância, de um certo egoísmo. Ou seja, gostava de ver um mundo de paz, solidariedade e de justiça. Sonhos que em Abril de 1998 veio partilhar com a comunidade escolar da então Escola EB 2,3 de Ovar (entretanto EB 2,3 António Dias Simões presidida por Manuel Cardoso) nas suas Jornadas “Educação para a Cidadania” que se realizaram entre os dias 27 e 30 de Abril.

Uma comunidade viva, que a rápida evolução do modelo de gestão escolar das escolas públicas, de agrupamentos horizontais em verticais e mega agrupamentos, acabou por destruir inglóriamente.

Mesmo descaracterizada e deprimida, na memória desta comunidade escolar e educativa, ficaram gravados muitos momentos que resultavam de um natural envolvimento de alunos, profissionais da educação (docentes e não docentes), pais e encarregados de educação e entidades locais, em vários projetos escolares, culturais, ambientais, multiculturais e de exercicio de cidadania.

Que refletiram os objetivos centrais das jornadas, “Educação para a Cidadania” que nos trazem à memória a participação de Maria Barroso, para falar sobre “Direitos Humanos” como presidente da Pro Dignitate.

Casada com Mário Soares desde 1949, decisão de uma mulher corajosa e determinada, uma vez que Soares estava preso pela Pide. Maria Barroso, que nasceu no dia 2 de maio de 1925, foi a única mulher entre os fundadores do Partido Socialista. Foi atriz, tendo participado na companhia de Teatro Rey Colaço-Robles Monteiro, em que se estreou em 1944 com a peça Aparências, de Jacinto Benavente. Enquanto no cinema, estreou-se no filme realizado na praia do Furadouro em 1967, Mudar de Vida, de Paulo Rocha, tendo ainda participado em três filmes de Manuel Oliveira, Le Soulier de Satin, Amor de Perdição e Benilde ou a Virgem Mãe.

Maria Barroso, ex-primeira-dama de Portugal entre 1986 e 1996 nos mandatos de Presidente da República de Mário Soares, foi diretora do Colégio Moderno, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e Fundação Aristides de Sousa Mendes, assim como sócia-fundadora e presidente da ONGD Pro Dignitate, foi, aliás, na qualidade de presidente Organização que veio mais uma vez a Ovar (quatro anos depois de a Câmara Municipal de Ovar lhe ter atribuído a Medalha de Mérito Municipal Ouro) no âmbito das jornadas da escola de Ovar, que acabaram por marcar irónicamente o fim de um ciclo de vida de uma escola EB 2º e 3º ciclo, contrastando com o essencial das conclusões desta iniciativa de grande dinamismo, assente em extraordinárias experiências pedagógicas e de exercicio de cidadania.

As jornadas que proporcionaram a Maria Barroso um reencontro com alguns residentes do Furadouro que tinham participado como figurantes na rodagem do filme Mudar de Vida tiveram entre o conjunto de entidades participantes, a presença do então Secretário de Estado da Administração Educativa, Guilherme de Oliveira Martins. Iniciativa verdadeiramente excepcional que durante quatro dias promoveu intensas sessões de debate e apresentação de trabalhos, estudos e projetos pedagógicos. Ao mesmo tempo, que os alunos participavam em multiplas atividades dentro e fora da escola.

Um programa igualmente ambicioso na vertente cultural e musical, que no geral mostrou uma comunidade entusiasmada, alegre e ativa, que as politicas que se seguiram numa lógica economicista e neoliberal, acabaram por dar lugar a um continuado retrocesso, que desmoronou uma organização que tinha dados provas de capacidade, para transformar fraquezas em forças, perante as sucessivas experiências de que a educação tem sido alvo sem perspetivas de encontrar caminho alternativo ás estratégias de cada ministro que quer deixar a sua marca no Ministério da Educação.

Apesar de todo este percurso, de uma comunidade escolar que se perdeu no tempo, ficaram memórias de uma mulher que mesmo já não estando entre nós, veio-nos dizer com toda a serenidade e forte convicção, que “os valores da solidariedade e da democracia deixam-nos dois caminhos ou nos suicidamos ou ganhamos consciência da necessidade de transformar a sociedade, melhorando o mundo” (Jornal de Ovar 8/05/1998).

09/07/2015
José Lopes

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