O jornalismo regional digital é o primo pobre da imprensa de quem os políticos (não) gostam

Não é de agora que a imprensa regional digital sempre foi vista de outra forma pela classe política nacional e até mesmo regional. Com alguma desconfiança, com algum descrédito e nunca valorizando o papel deste tipo de plataformas.
Há mais de 20 anos que se anuncia o fim do papel e a chegada de um novo rei ao mundo da comunicação. O digital é uma realidade bem apregoada desde o início deste século e quase todos os órgãos de comunicação tem forte presença na rede. Aliás, mais de metade da receita publicitária mundial está concentrada nas plataformas digitais, através de anúncios e ou vídeos publicitários. Portugal não passa ao lado desta realidade e o crescimento no digital é diretamente proporcional ao decréscimo dos títulos em papel e não há forma de se inverter esta tendência. Os jornais já vendem uma fração do que vendiam há 10 anos, muitos apostam já em novas formas digitais de levar aos seus leitores as notícias e pressionam-se os players políticos para direcionar uma parte dos apoios para o digital, através de diversas comparticipações. E muito bem, não fosse o facto de os apoios irem quase sempre para os mesmos. Os nacionais sempre estiveram à frente dos apoios estatais, deixando para os regionais algumas migalhas. Os nacionais sempre foram buscar milhões ao erário público para apoiarem as suas edições em papel, seja em forma de subsídio ou compra de publicidade. Os regionais, mesmo em papel, ficaram sempre “a ver navios”, como diz o povo, excetuando-se o porte pago, que mesmo assim era alvo de sucessivos cortes, quando os governantes pretendiam cortar 2 ou 3 milhões ao apoio, para depois irem comprar espaços nos títulos nacionais. Como exemplo e para terem uma ideia, o governo prepara-se para custear metade das assinaturas digitais dos jornais nacionais. Os regionais ficam de novo “a ver os navios passar”. É ou não é uma medida cobarde e desprovida de isenção por parte da classe política? Mereciam ou não estes senhores do governo, serem mergulhados em alcatrão a ferver, cobertos de penas de galinha e irem em desfile pelas capitais de distrito?
Continuando esta linha de raciocínio, e analisando-se mais medidas que estão a ser preparadas, a imprensa regional e também digital vai de novo levar ainda mais pela tabela. Se em 2024 havia um vislumbre de uma luz ao fundo do túnel, em 2025 é para esquecer. A palavra de ordem é mesmo acabar ou não apoiar o jornalismo regional. Luís Montenegro está muito chateado com a imprensa, depois da forma como o trataram na campanha, e vai de certeza retaliar, com o arquivamento de algumas medidas que já foram estudadas pelos seus ministros e que agora vão hibernar. O problema é que os grandes acabam por terem sempre soluções. Basta aumentarem a dívida ao banco e pagam as contas sem grande dificuldade. Um dia se estourarem, a conta passa para todos nós. Os pequenos, esses coitados, têm de ter 2 empregos para sustentar a carolice de ser jornalista regional e custear assim os encargos da plataforma de notícias e da atividade jornalística. Mas por muito que o nosso PM esteja chateado com a imprensa, ele sabe que não tem estrutura para ombrear com os grandes grupos económicos, pois um dia poderão ser seus clientes (de novo), e então, o nosso PM não tem escolha, senão atacar os mais fracos e vulneráveis, para apaziguar, de alguma forma, a sua indisposição e alguma cólera refreada que deve ter ainda dentro de si.
A revolta no mundo do regional (e digital também) começa a crescer e está na hora das associações do setor se mexerem e fazerem o seu trabalho. Esquecerem os subsídios que têm, abdicarem de algum luxo e segurança conseguido nos últimos anos e irem para a luta. Todos juntos chegamos a 11 milhões de portugueses cá dentro e a mais 2 ou 3 milhões lá fora. Está na hora de darmos espaço nas nossas plataformas à reivindicação de melhores condições ou pelo menos uma equiparação justa aos nacionais, sob pena de cada vez sermos menos e um dia o país poder acordar com meia dúzia de órgãos nacionais ao soldo dos interesses políticos e mercantilistas.
Separados somos pequenos, juntos somos enormes. Já vamos tarde, mas hoje é sempre melhor que o ontem e o amanhã.
José Vieira