Opinião

Ovar em quatro partes – Ricardo Alves Lopes

Princípio este texto alertando-vos que seguirei por uma linhagem de escrita diferente da habitual. Não emitirei opiniões, não colocarei em causa coisas bem ou mal feitas, apenas vos narrarei parte do meu fim-de-semana.

Parte I
A semana decorreu no seu compasso natural, com as altercações do trabalho e a pacatez que nos aguarda em casa ao final de cada dia. Fui feliz nessa divisa de sensações, entre a satisfação de fazer o que gosto, o sonho de ambicionar fazer mais e a presença dos amigos, vestidos entre as palavras certas, que me alimentam a ambição. Seja esse o objectivo deles ou não.

Porém, algo me faltava, como um lume que me acendesse o aguço de novidades. Palavras, experiências e histórias de uma pessoa que eu admiro e está à distância imortal dos livros. O Carlos Nuno Granja e o professor Cleto, ambos em leme do Museu de Ovar, permitiram-me isso. Trouxeram uma das mais vincadas vozes da contemporaneidade na literatura portuguesa: Valério Romão. Lá estava eu, numa das filas da frente, numa sala demasiado vazia para o que o escritor merecia, no contraste das habituais casas cheias para nomes como Sérgio Godinho ou Mário Zambujal. Não se pode exigir das pessoas a presença, apenas se pode aproveitar o momento e foi o que fiz. Desaguei a minha semana numa conversa, escutando, as palavras certeiras e concisas do Valério Romão, mas também do seu editor, João Paulo Cotrim, um dos nomes mais respeitados nessa área. Autismo, livros, doenças no geral, família, pessoas, falou-se de tudo um pouco. E eu cresci.

Parte II
Sejamos francos, nem sempre no trabalho temos liberdade para conceber tudo o que nos apaixona. Existe uma entidade patronal que, ciente do melhor para o seu negócio, nos outorga novos rumos, que crêem ser os melhores. Seguimo-los, apaixonados e devotos, acaso de sermos apaixonados pelo que fazemos e confiarmos em quem nos lidera. Não deixando, por isso, de ficar o pequeno amargo de boca de não fazermos tudo o que gostamos.
Eu deixei de ter esse amargo.

Desde há algum tempo para cá, decidi que essas limitações de hierarquia não me iriam pedir de fazer tudo o que acredito que posso fazer. Aventurei-me. Aventurei-me em momentos solitários, ou em parcerias, que me permitem alavancar-me para um patamar que o quotidiano de escritório nem sempre me permite. Posso ou não fazer uso dessas aventuras, posso ou não sentir-me realizado com a concepção final delas, mas fico sempre satisfeito com a sensação de que tentei.

Não é fácil assumirmos o prazer que temos algo em que a maioria dos nossos amigos não nos acompanha, mas a sensação de o fazermos, seja de forma mais solitária ou com amigos que a experiência nos vai criando, resplandece-nos de uma forma que escreve o mundo de forma mais bela. Eu fiz isso, vindo para o Parque Ambiental do Buçaquinho, entre famílias repletas de boa-disposição, pessoas solitárias acompanhadas de revistas e jornais e uma imensa natureza que nos acelera a respiração e acalma as palpitações. Saiu isto.

Parte III
Com a tarde descerrada pelo sol, o resultado não foi o que se esperava. Todos queríamos uma vitória.
Com as andanças do Carnaval e as férias do trabalho, andei arredado da nossa Arena Dolce Vita. Fui remediar isso, nunca compensando, este fim-de-semana, com o jogo de sábado, que pôs frente a frente a nossa Ovarense e o Algés.

Como disse, o resultado não foi o que todos ambicionávamos, mas a aura especial de todos os que acompanham a nossa Ovarense fez suplantar isso. Com as nossas gentes no pavilhão, sejam muitos ou poucos, jamais conseguimos compreender se estamos a ganhar por vinte ou a perder por vinte, tal a adrenalina que colocam em cada jogada. São, efectivamente, um sexto jogador.

O basquete já não é o que era, já não enche os pavilhões como há dez anos, mas continua a preencher uma parte de mim, que me faz recordar, com a nitidez de uma nascente de água, o porquê de há uns vintes ter pedido aos meus pais que comprassem umas sapatilhas na Gavião e me inscrevessem no basquete. Um amor é sempre um amor.

Parte IV

Os futebóis sensíveis invadiram a nossa cidade, em conjunto com tantas outras bandas. Três não são tantas, mas quando se dividem apenas por uma noite são imensas. Filho da Mãe, Carlos Bica + João Paulo Esteves da Silva, Capitão Fausto e Sensible Soccers, tudo na mesma noite.
Escolhi Sensible Soccers, por uma questão de oportunidade e gosto pessoal, consciente que qualquer um dos outros me poderia agradar. Não fui defraudado. O minimalismo espalhou-se pela bonita sala dos Serviços Sociais e Culturais dos Trabalhadores do Município de Ovar.

Pairava um hipnotismo movido a música, que não nos arrancava deste mundo, mas deixava-nos à deriva de tudo o que vivíamos no interior daquelas músicas. Cada pessoa ouviu o seu concerto e deixou-se levitar pelas suas sensações. O calor apertava e não havia bebidas, mas os Sensibles Soccers apagavam-nos a sede, e até a fome, com as ondulações das suas notas. Ovar estava a acontecer, ali à nossa frente e, ao mesmo tempo, na Escola de Artes e ofícios. Todos merecíamos uma coisa assim.

E o meu fim-de-semana chegou ao fim. Não literalmente, apenas na parte que vos queria narrar. Ovar acontece e nós acontecemos. Em vinte e quatro horas, passei por quatro fases que me alimentaram um fim-de-semana inteiro. Não podemos dizer que são só festas. Porque quem não percebe a literatura e a música, jamais poderá sair do cubículo das ideias pré-formatadas. A cultura não é saber, é caminho para o saber. E desculpem-me.
Exagerei no tamanho do texto e faltei à minha palavra, acabei a emitir opiniões. Mas percebe-as apenas quem quer.

Ricardo Alves Lopes (Ral)
www.ricardoalopes.com
http://tempestadideias.wordpress.com

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