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“O Barco Moliceiro precisa do apoio de Ovar” (Exclusivo!)

Nascido no coração da Ria, na Murtosa, assina José de Oliveira e pinta painéis de moliceiros há 30 anos. É ele o autor do cartaz das Festas do São Paio 2023 (também foi em 2018), executado convite do Município da Murtosa.

O Mestre murtoseiro ainda recorda, com carinho, o primeiro barco que pintou: “Pertencia ao Alfredo Rebelo, que já não existe, e depois pintei o João Manuel, do falecido Manuel Rilho”. Estávamos em 1990.
Quando começou, “havia um senhor que também pintava, o Jacinto Lavadeiro, até lhe chamavam o “pintor de domingo”, porque tinha o seu trabalho e depois pintava alguns barcos”. Porque antigamente, não se tinha por hábito pintar tanto os barcos como agora. “Agora, sim, porque a malta tem os moliceiros por gosto e são pintados quase todos os anos”. Então, o Jacinto morreu muito prematuramente, em 1988, e José de Oliveira sentiu que havia ali uma lacuna na pintura de painéis. Na altura, trabalhava nas salas de traçagem dos estaleiros de São Jacinto, mas como gostava de pintar, decidiu experimentar. Sempre fiel ao que é tradicional, hoje é raro o moliceiro que não tem o seu cunho.

Ao mesmo tempo, mantém o seu atelier em Estarreja, onde dá formação há mais de 20 anos, trabalha em pintura artística, faz azulejaria, pintura a óleo, exposições, etc. É hoje um nome conceituado das artes plásticas e a pintura dos painéis de moliceiros é algo que lhe dá um gosto imenso, “porque o meu pai e o meu avô eram moliceiros. Há uma ligação afectiva ao barco. Não dá para viver, mas é um complemento”.

O amor à embarcação tradicional da Ria leva-o a olhar com apreensão para o futuro. “Já houve mais barcos moliceiros na Ria”, diz com alguma tristeza. “A CIRA e a Câmara da Murtosa têm barcos moliceiros para entrarem em regatas, mas é pena que as câmaras de Estarreja, Aveiro e Ovar também não tenham”. “Ovar tem um barco numa rotunda mas, em tempos”, recorda, “subsidiava os moliceiros que havia no concelho, mas agora não o faz”.

José de Oliveira defende que estes municípios podiam adquirir um barco moliceiro e, assim, “seriam sempre mais dois ou três na Ria”. Por outro lado, “os operadores turísticos também deviam ter um moliceiro preparado para entrar nas regatas de moliceiros à vela, porque os moliceiros é que são a imagem disto tudo”. “Já não recolhem moliço, mas cumprem o seu fim turístico”, sentencia.

Aliás, o conceituado artista murtoseiro tem assistido à evolução dos moliceiros em Aveiro para fins turísticos, que estão adaptados ao que têm de fazer. “Não podem ter mastros, adaptaram as bicas”, mas reconhece que “se não fosse o turismo em Aveiro, cujos barcos foram adquiridos aqui na Ria e reparados, já tinham desaparecido”. “Era capaz de haver meia dúzia de resistentes para as regatas, mas esses que andam nos canais, já não existiriam”.
No entanto, olhando à idade que os actuais proprietários já têm, em breve serão cada vez menos, e sem incentivos, estão condenados. “Isto é um brinquedo caro, que custa dois mil euros e precisa de manutenção. Ficam parados à beira da Ria, no Inverno precisam de ser escoados e com as forças a escassear vai ser difícil”, observa.

Um dia um destes, um proprietário de moliceiro dizia-lhe: “Aquilo que mais se deseja é o que um dia se teve e perdeu para sempre”. Quando isso acontecer, garante, “lá virão alguns dizer que é preciso salvar e tal. O que eu peço é que não os deixem morrer agora”.

A temática
A temática fica ao critério do artista. “É uma carga de trabalhos”, diz, sorrindo. “Tenho de andar em modo moliceiro durante dois meses, com pensamentos maliciosos”.
As temáticas são variadas. Vão desde o satírico, politico, desportivo, patriótico, religioso, etc. Mais recentemente, os proprietários dos barcos, começaram a aperceber-se que os painéis com as rapariguinhas eram os mais valorizados nos concursos. “No último concurso pintei 4 painéis com meninas e ficaram todos nos primeiros lugares”, revela.

Mas nem sempre foi assim. Aliás, antes do 25 de abril de 1974, a Marinha controlava as mensagens dos painéis e fiscalizava os desenhos antes de o barco ir à água. “Por isso, havia alguns painéis com mensagens de ‘salvem a Pátria’ ou até mesmo religiosos, porque não se podia ir muito além com as cachopas como agora”, explica.
José de Oliveira conta uma história que se passou com ele: “Ainda há uma dúzia de anos, estava a pintar um painel mais ou menos político, com o presidente de Angola e o Mário Soares, diamantes e uma criança com uma perna amputada e houve um telefonema da Câmara, para onde ia o painel, a pedir para o apagar”. O artista não acedeu, mas o mesmo não pode dizer do dono. “Censura nos nossos dias”, resume.

A técnica
“Na prática, a pintura de um painel moliceiro é uma arte naïf”. Começa por ter uma base em branco, depois é trabalhado com esmaltes sintéticos e sombreado com tinta sintética e, com um pincel fininho, é sublinhado.
“Poderia embelezar com pinturas de tintas, mas não o faço, porque iria fugir do tradicional”, sublinha José de Oliveira que garante deixar de lado “todos os conhecimentos de pintura que tenho”, quando chega a um moliceiro. “Ali é arte naïf pura”. Se fosse por outro caminho, “seria descaracterizar e não quero ir por aí”. José de Oliveira não fotografou todos os seus trabalhos, mas tem cerca 700 registos de painéis moliceiros.

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