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UA estuda cancros transmissíveis do berbigão

Um estudo internacional com participação de investigadores da Universidade de Aveiro incidiu em cancros que são transmissíveis no berbigão via células cancerígenas vivas, através da água do mar. Não podem ser transmitidos aos seres humanos, apenas a berbigões que estejam suscetíveis a estas células cancerígenas. O estudo resultou na sequenciação dos genomas destes cancros, pela primeira vez, revelando níveis de instabilidade genómica nunca antes observados para outros cancros.

Os cancros transmissíveis do berbigão (Cerastoderma edule) – cancros marinhos cujas células viajam através da água para infetar outros indivíduos – foram sequenciados pela primeira vez a nível mundial, tendo assim permitido compreender melhor como estes cancros se propagaram entre as populações animais, durante centenas, possivelmente, milhares de anos. A obtenção de uma sequência de referência do genoma desta espécie foi, portanto, um passo essencial para investigar a evolução do cancro contagioso do berbigão.

Verificou-se que estes tumores de berbigão eram altamente instáveis do ponto de vista genético. Em particular, percebeu-se que as células cancerosas de um mesmo tumor continham números de cromossomas muito diferentes. Até à data, foram identificados oito tipos diferentes de cancros transmissíveis em todo o mundo em diferentes bivalves, tais como amêijoas, berbigões e mexilhões.

O estudo, centrado no berbigão, uma espécie muito frequente na costa portuguesa e de elevado valor económico, foi publicado a 2 de outubro de 2023, na revista Nature Cancer, em simultâneo com um outro estudo realizado por investigadores do Pacific Northwest Research Institute, nos EUA, que examinaram um cancro transmissível semelhante que afeta a amêijoa invasora Mya arenaria, também encontrada em águas portuguesas.

Este estudo, liderado pela Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha, contou com a participação de investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), com sede na Universidade de Aveiro, que desenvolvem a sua investigação no Centro de Extensão e de Pesquisa em Aquacultura e Mar (CEPAM) a funcionar no ECOMARE, na Gafanha da Nazaré. A investigação foi parcialmente financiada pelo Conselho Europeu de Investigação.

Os autores recolheram cerca de 7 mil berbigões em 36 locais de 11 países, incluindo Portugal (Ria de Aveiro e Ria Formosa), Espanha, Reino Unido, Irlanda e Marrocos. A partir destas recolhas, a equipa sequenciou geneticamente 61 tumores de berbigão e conseguiu demonstrar a existência de dois tipos diferentes de cancros transmissíveis, cujas células são visualmente distintas quando observadas ao microscópio. Os investigadores identificaram, também, vários berbigões que, inesperadamente, tinham sido co-infetados por células de ambos os cancros, ao mesmo tempo.

Ria Formosa e Ria de Aveiro com incidências de 25% e 12%, respetivamente

Segundo Seila Díaz, co-autora principal do artigo e investigadora do CESAM-Universidade de Aveiro, nas populações estudadas em Portugal foram encontradas algumas das maiores incidências detetadas no estudo. “Na Ria Formosa a prevalência foi superior a 25% e na Ria de Aveiro foi de 12%. No entanto, este estudo foi efetuado com uma amostragem pontual de 250 berbigões em cada ponto. Como sabemos que este cancro tem uma variabilidade espacial e sazonal muito elevada, e o berbigão é um recurso importante para as regiões costeiras do Centro de Portugal, estamos a realizar um estudo exploratório na Ria de Aveiro onde encontramos diferentes microambientes.”

“O berbigão é um recurso marinho muito importante em Portugal, sendo que as prevalências mais elevadas de cancros transmissíveis detetadas na Europa foram registadas nas costas portuguesas”, salienta Ricardo Calado, também ele investigador do CESAM-Universidade de Aveiro. “Deste modo, Portugal deve participar ativamente em próximos estudos que venham a ser desenvolvidos para compreender melhor as origens e as implicações ecológicas e económicas deste novo conceito de cancro”.

A primeira co-autora do artigo, Alicia L. Bruzos, da Universidade de Santiago de Compostela, destaca a relevância da sequenciação genómica realizada pela equipa. “Os tumores foram encontrados pela primeira vez em berbigões há cerca de 40 anos, mas o nosso estudo é um dos primeiros a sequenciar e analisar os genomas completos destes animais. Lançámos luz sobre a existência de dois cancros transmissíveis distintos e suspeitamos que existam muitos mais tipos diferentes. Ter uma visão mais alargada dos diferentes tipos de cancros transmissíveis pode dar-nos mais informações sobre as condições necessárias para que os tumores evoluam e sobrevivam a longo prazo.”

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