Opinião

Uma boa cidade para se crescer – Ricardo Alves Lopes

Recordo as tardes avessas de um miúdo casmurro, que via no presente a saída do futuro. O incerto era tão desconhecido, naturalmente, que não fazia sentido ponderar nele. Procurava a satisfação imediata, entre as tardes passadas nos cafés e as noites de semana no basquete.

Ovar, enquanto jovem, era uma cidade que me preenchia. Naquela idade, não procurava a ambição de ser um cada vez melhor profissional, não tinha o anseio de povoar o meu quotidiano de transcendências que não me asseverassem que a vida fosse apenas isto, porque tinha os amigos, tinha o Coffee Shop plantado à minha disposição e a Vareirinha e o Quasar sempre prontos a cederem-me espaços para umas tardes, a trocos contados, de snooker.

É sempre muito fácil, quando olhamos para trás e vemos coisas mal feitas, pensarmos como erros. Mas não são. São o processo evolutivo de um miúdo que precisa, sempre precisou, descarregar energias. Primeiro nas aulas, na necessidade da rebeldia como forma de imposição da pessoa que é; depois nas conversas de café, nas brincadeiras, no catrapiscar das primeiras namoradas, nos primeiros sentimentos, de rejeição e aprovação, a sério. Na adolescência, tudo é a sério. Nada é sério, mas tudo é a sério. Vertemos lágrimas por tardes mal passadas e soltamos sorrisos por noites bem preenchidas.

Ovar é uma terra profícua à juventude. Podemos pensar que não, que é um espaço exíguo onde todos se conhecem, mas isso é bom numa preparação para o futuro, seja cá ou fora. Passamos dias inteiros com caras conhecidas em redor, aprendemos a valorizar as amizades e os amores porque as escolhas em redor são diminutas, sem nunca perdermos o aconchego do que acontece ser sempre perto de nós. Em Ovar, na juventude, estamos perto de tudo. Não estamos perto da imensidão do mundo, mas estamos perto da paz de saber que controlamos quase tudo, que a fuga não é longa. E isso é bom e mau, solta e amarra. Uns partem, preservando essa amena sensação de que por cá continuamos. Passam a ser de longe, nunca deixando ser de cá.

Outros habituam-se à sensação de paz que é ter tudo em seu redor, à zona confortável de não correr riscos e não se fazerem emigrantes nem na sua própria.
A cidade, às vezes, precisa de mais emigrantes filhos da terra. E não digo emigrantes que partem para outros países, digo emigrantes que se reinventam na sua própria cidade, que almejam outras coisas. Eu, por exemplo, começo a almejar outras coisas, sinto ciclos internos a fecharem-se e a necessidade de viver novos mundos, seja no estrangeiro ou em Portugal, a florescerem dentro de mim. Mas enquanto ainda não tenho certezas sobre isso, pego nos meus apontamentos e lembro-me de como fui feliz na minha juventude em Ovar. Ovar é uma boa cidade para se crescer.

Ricardo Alves Lopes (Ral)
www.ricardoalopes.com
tempestadideias.wordpress.com

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