“Vazio no coração” continua 30 anos depois de Alcafache
O número exacto de mortes do acidente permanece uma incógnita: um Sud-Express com destino a Paris cheio de emigrantes e um Regional que seguia para Coimbra colidiram entre Mangualde e Nelas.
Trinta anos não foram suficientes para dar alento a Augusto Sá, que ainda hoje sente um “vazio no coração” pela morte do pai e da irmã, duas das vítimas do maior acidente ferroviário de Portugal, ocorrido em Alcafache.
“Não conseguiram encontrar os corpos. Fiz vários esforços nessa semana e na seguinte, fui a vários sítios onde tinha indicações de que havia corpos, mas não encontrei os deles”, contou Augusto Sá, valeguense que preside à Comissão Organizadora dos Movimentos do Acidente Ferroviário de Alcafache (COMAFA).
Sem campas onde se deslocar para “falar” com o pai e a irmã, todos os anos Augusto Sá vive com intensidade a cerimónia de homenagens às vítimas de Alcafache, que vem organizando desde 2002.
A cerimónia volta a realizar-se no domingo de manhã, no local do acidente, onde existe um memorial de homenagem às vítimas, recordando o trágico 11 de setembro de 1985.
Nesse dia, num final de tarde quente, chocaram frontalmente na Linha da Beira Alta, entre Mangualde e Nelas, um Sud-Express com destino a Paris cheio de emigrantes e um Regional que seguia para Coimbra. O número exato de mortos permanece uma incógnita.
Augusto Sá lembrou que o acidente se ficou a dever “a erro humano entre chefes das estações na partida aos comboios”. O Sud-Express transportava “mais de 400 emigrantes” do Norte do país, que regressavam ao seu país de acolhimento depois de férias em Portugal.
O número exacto de vítimas resultante do choque frontal nunca foi apurado. As estimativas feitas por jornais, observadores oculares e outras fontes variavam entre 40 e 200 mortos.
Muitos corpos ficaram carbonizados e nunca foram identificados, como aconteceu com o pai e a irmã de Augusto Sá. Esses restos mortais foram colocados numa vala aberta no local onde hoje existe o memorial.
“Na altura, houve até um jornal que falou em quase 400 mortos, mas não era verdade”, recordou.
Augusto Sá sabe bem o que foi escrito nos jornais da altura, porque os tem guardados em casa, oferecidos pela segunda mulher do pai.
“A minha madrasta um dia disse-me que tinha os jornais todos e eu fiquei abalado. Como era possível ela, muito religiosamente, ter guardado os jornais?”, questionou.
No entanto, rapidamente percebeu: “Apesar de serem umas páginas negras, tristes, que causam dor e revolta, eram uma recordação do marido”.
A cerimónia de domingo conta com o apoio da Câmara de Mangualde.