Opinião

“Where There’s a Will, There’s a Wave” – Rafael Amorim

Quando falo em 30 anos de Surf admito que possam ser mais. Recordo, em criança, ter pranchas de esferovite, bodyboards de todo o material e feitio ou pedaços de velhas pranchas de windsurf queimadas pelo sol e gastas pelo tempo.

Para este efeito contabilizo o tempo que decorreu entre a compra, numa loja de produtos náuticos em Matosinhos e por preços pornográficos, de um fato e de uma Morey Boogie que, nesse mesmo dia de junho, julho ou agosto de 1990 iriam ser batizados na praia de Cortegaça, em Ovar, em frente ao Parque de Campismo Os Nortenhos.
O meu pai, que patrocinou esta compra, devia achar tudo isto muito estranho. Uns meses antes, tinha sido arrastado por mim às galerias Palladium (Leite, 2013) e à Casa Forte (Morgado, 2015) , ambas no Porto, à procura de um Skate e de uns rolamentos ZZ. Agora estava em Matosinhos numa loja de produtos náuticos.

Isto, aos olhos dele, ainda era mais estranho porque o filho mais velho, o vosso amigo cronista, não era particularmente desportista, não morria de amores por futebol, tinha praticado basquetebol, tênis e karaté, sempre de forma superficial e desistido passado algumas tentativas.
A opção por uma Bodyboard em vez de uma prancha de Surf foi determinada pela resistência do meu pai em não querer algo tão comprido e pontiagudo no carro. Como notei essa barreira, e antes que ele mudasse de ideias, apanhei a prancha e, com juras de amor eterno aos meus pais e irmãos, promessas de bom comportamento e boas notas, consegui o tão desejado prémio. Até porque, se a vida te dá limões, faz limonadas. Esse é um dos princípios básicos do Surf, se vires uma boa onda aproveita a oportunidade, não a deixes passar.

 

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Não recordo se o fato era um Gul, WaterLine, OTW ou uma outra marca qualquer em voga naquela altura. Era um short, ziper nas costas, talvez de 4”” – dado a sua consistência e dureza – com umas aplicações junto aos joelhos para reforçar o aperto e de cor verde azeitona e roxa. Hoje em dia seria desconfortável, desadequado para a temperatura do nosso mar e feio todos os dias.

De qualquer forma, sempre era melhor que o fato de mergulho, de apertar por debaixo das pernas, que um meu primo – praticante de windsurf e mergulho na Ria de Aveiro – me tinha dado para usar durante o verão.
Este conjunto exigia uns pés de pato à maneira, que já os tinha, e que combinavam com o saco onde tudo era colocado. Amarelo e Cor de Laranja.

Recapitulando, tinha um fato verde e roxo, uma prancha azul e vermelha – mais tarde seria uma Match 8 TX Verde (anunciada como uma verdadeira revolução de velocidade) (Today, Surfer, n.d.) – uns pés de pato e um saco amarelo e laranja. Que salgalhada de cores.
Extasiado, como qualquer miúdo de 14 anos estaria, mal cheguei à casa onde passava as férias de verão dei um beijo à minha mãe, vesti o fato e fui a correr, já no lusco fusco, para dentro de água, sem querer saber se o mar estava sem ondas, se já não havia luz suficiente ou se estaria acompanhado de alguém.

Nada interessava. Tinha de ir para dentro de água. Tinha de experimentar aquela prancha, de sentir o sabor da água salgada, da areia, da parafina e do neoprene. Tinha, tinha, tinha. Há momentos na nossa vida em que algo tem de acontecer. E esse foi um deles.
Nasceu, naquele momento, uma ligação que, com mais ou menos anos, com mais ou menos peso, com mais ou menos preparação física, com mais ou menos tempo, com mais ou menos distancia, nunca mais me abandonou.

 

Rafael Amorim, Junho de 2020

References
Leite, J., 2013. Restos de Coleção. [Online] 
Available at: https://restosdecoleccao.blogspot.com/2013/02/armazens-nascimento-e-cafe-palladium.html
[Acedido em 31 05 2020].
Morgado, J., 2015. Jornal I. [Online] 
Available at: https://ionline.sapo.pt/artigo/407749/uma-casa-forte-no-centro-do-mundo?seccao=Opini%C3%A3o
[Accessed 31 05 2020].
Today, Surfer, n.d. Surfer Today. [Online] 
Available at: https://www.surfertoday.com/bodyboarding/mach-8tx-the-famous-bodyboard-with-a-dimpled-bottom
[Accessed 31 May 2020].

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