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O dia em que o fogo matou dois irmãos na praia do Furadouro

Onda de comoção chegou ao Paço Real e ao Porto

Do mar os pescadores nem sempre regressavam e quando o faziam nem sempre traziam pão, porque já em 1796 os registos são de que foi um ano de fome, “de penúria, de más safras na costa do Furadouro. De Fevereiro a Junho, venderam-se para comer as sardinhas salgadas destinadas a estrume, a quatro vinténs”. Tal como veio a acontecer em 1847 em que a fome alastrou-se á vila de Ovar ou em 1856 em que a fome voltou a repetir-se e a classe piscatória foi a mais atingida pelas epidemias, que no ano 1891 trouxe a varíola, tifo e gripe. Ainda que tenha havido anos mais animadores e abundantes, como 1840, em que no Verão a sardinha era tanta “que chegava a arrolar e a cobrir a borda; apanhava-se a ancinho!”. Aliás, uma década depois, em 1852  registou-se “uma pesca milagrosa na Praia”. Nas redes veio uma quantidade enorme de corvinas “.


Viessem elas do mar, que várias vezes se atirou às frágeis construções implantadas no areal como se de barcos se tratassem; viessem elas das suas próprias entranhas, onde lareiras mal protegidas rapidamente transformavam um fogacho num desastre coletivo, água e fogo, sempre fizeram desta uma terra instável. Tudo isso desapareceu?

Nem por isso. Na quadrícula urbana, duas ruas importantes prolongam, no nome, a gratidão dos vareiros do Furadouro ao jornal O Comércio do Porto e à Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Porto, que organizaram subscrições públicas em favor das vítimas de um grande incêndio que, em 1881, destruiu mais de 300 palheiros do sector norte.

E a organização do espaço deve algo ao esforço de realojamento dos desalojados, que passou pela criação de ruas, com lotes de cinco metros de largo, ainda visíveis, cujas casas, de madeira ainda, não podiam, então, ter cozinha no interior, para evitar novas tragédias.

Entre os anos 1881 e 1948 arderam cerca de mil habitações no Furadouro. Até ao fatídico ano de 1881, “o Furadouro era um grande amontoado de palheiros de madeira, dispersos pela duna, frente ao mar” e foi neste ano a 31 de Julho que um pavoroso incêndio, que deflagrou no Alto do Baldim, devorou cerca de 400 palheiros, incluindo a casa de uma família. A data e a intensidade do fogo foram significativas, impactando a região e causando tragédia, como a morte de duas crianças presas numa casa em chamas. 

Seis anos depois, mais 66 palheiros foram devorados pelo fogo.

Tragédias que se foram repetindo com o aproximar do final do século XIX que ficaria assinalado com mais 200 palheiros, armazéns de salga (fábricas de sardinha) e depósitos de sal destruídos num incêndio a 7 de Julho (1892) e 40 também consumidos pelo fogo do dia 15 de Junho (1899).

O flagelo era tal que também o conceituado pintor portuense, Francisco José Resende, leiloou vários quadros para ajudar os pescadores do Furadouro (1881). atendendo a que O Comércio do Porto foi o primeiro jornal que abriu uma subscrição a favor das vítimas dos incêndos da praia do Furadouro, a Câmara Municipal resolveu dar o seu nome à rua Nova ou Rua da Capela Nova.

D.ª Maria Pia também ficou na toponímica, dado que esta raínha mandou dar do cofre dos inundados para as vítimas do incêndio ocorrido na praia do Furadouro, a 31 de Julho desse ano, um conto de reis.

Iniciado o século XX, a fúria das chamas continuava a provocar violentíssimos incêndios que alteravam a humilde paisagem do povoado que, a 15 de Março (1925), se viu amputado de outras duas centenas de palheiros, “deixando sem abrigo 300 pessoas e seis ruas completamente obstruídas pelos escombros”.

Só a gradual evolução e alteração dos materiais de construção foi alterando o cenário cíclico das chamas, mas trouxe outros problemas ao Furadouro.

Bibliografia: Laranjeira, Lamy – O Furadouro o povoado, o homem e o mar, C.M. de Ovar; Lamy, Alberto Sousa – Datas da História de Ovar 922 – 2005, C.M. de Ovar; Lamy, Alberto Sousa – Monografia de Ovar, C.M. de Ovar; Lírio, Padre Manuel – Monumentos e Instituições Religiosas, Subsídios para a História de Ovar; Araújo, Padre José Ribeiro de – Poalhas da História da Freguesia e Igreja de Ovar

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