Opinião

A Lei não reconhece amor, nem tijolos pagos a dois – Por Rui Pires da Silva

Durante muito tempo, muitos casais em Portugal viveram com a certeza de que
tudo o que se constrói juntos dentro de um casamento pertence, naturalmente,
aos dois. Afinal, se ambos contribuem, seja com dinheiro, tempo, ou esforço,
para erguer uma casa, parece lógico que essa casa seja de ambos. Mas a
realidade legal pode ser bem diferente, e, para muitos, até injusta.




Recentemente, uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça veio lançar luz
sobre uma questão que afeta milhares de casais: o que acontece à casa
construída num terreno oferecido pelos sogros a apenas um dos membros do
casal? Em caso de divórcio, quem fica com a casa?

A resposta, embora juridicamente sólida, pode ser difícil de aceitar: a casa é
considerada bem próprio do cônjuge que recebeu o terreno. Mesmo que o outro
tenha contribuído financeiramente, acompanhado a construção, escolhido os
materiais ou ajudado em todas as fases da obra, não tem direito à casa, apenas à
compensação pelo valor investido.

O bastonário da Ordem dos Notários, Jorge Batista da Silva, explicou
recentemente esta questão com clareza. Segundo ele, um terreno doado
constitui um bem próprio e, como a casa está “colada” ao terreno, acaba por
seguir o mesmo regime jurídico, não entra na partilha de bens, mesmo que o
casal esteja casado sob o regime de comunhão de adquiridos.

Isto significa que, legalmente, a casa é de quem recebeu o terreno. O outro
cônjuge pode, sim, pedir uma compensação, mas não tem qualquer direito à
propriedade do imóvel.

Esta situação levanta questões importantes: será justo que uma casa construída
com esforço conjunto acabe por ficar apenas com uma das partes? É aceitável
que alguém que contribuiu durante anos para construir um lar fique sem teto,
só porque o terreno não estava em seu nome?

Infelizmente, o Direito não olha para sentimentos nem para memórias, olha
para documentos, registos e titularidades. E é precisamente por isso que é tão
importante estar informado e prevenir problemas futuros.

Se está a pensar construir numa propriedade que não está em seu nome, ou se
vai aceitar uma doação que parece inofensiva, pare e pense. Mais do que isso:
fale com um advogado ou com um notário. Um profissional pode ajudar a
redigir acordos que protejam ambos os cônjuges e evitem injustiças caso a
relação termine. Além disso, é fundamental guardar todos os comprovativos de
investimento, desde faturas de materiais até transferências bancárias ou
contratos com empreiteiros. Estes documentos podem fazer toda a diferença se
for necessário provar o que foi investido.

Num país onde a casa representa, muitas vezes, o maior bem de uma família, e
onde as relações familiares se misturam facilmente com o património, é
essencial que o Direito acompanhe a realidade, ou, pelo menos, que os cidadãos
saibam como se proteger dentro dela.

Por isso, antes de dar o próximo passo, informe-se.

 

 

 

 

Rui Pires da Silva
Especialista em Imobiliário

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