Autarquia de Ovar em contra-corrente… – Álvaro Reis
Quando no início do último milénio, os projectos de intervenção ministeriais para defesa costeira apontavam, inacreditavelmente, para a construção de novas obras em pedra no litoral e reforço das já existentes, eu apontava como alternativa eficaz na protecção do litoral a alimentação artificial e contínua de areias (bypassing), estratégia aplicada com sucesso noutros pontos do globo.
Depois de alguns anos, em que o oceano se encarregou de demonstrar que a “engenharia da pedra” teria que ser posta de lado, recebe-se com agrado as recentes intenções do ministério do Ambiente, reforçando a continuidade da injecção de areias em alguns sectores da costa aveirense, à custa dos dragados do porto de Aveiro. Acções, aliás propostas por mim há mais de uma década.
Diga-se em boa verdade que valeu esse confronto. Água mole em pedra dura tanto dá… até que fura!
Aquilo que não se percebe, de todo, é a insistência em levar a cabo um projecto de construção de um quebra-mar destacado na frente do Furadouro.
Senhor presidente da Câmara Municipal de Ovar, entendo perfeitamente que uma das suas bandeiras de campanha tenha sido a concretização dessa obra, mas tive ocasião de nesses momentos iniciais do seu mandato lhe transmitir pessoalmente a minha discordância relativamente a essa ideia. Por esse facto relembro aqui alguns pontos essenciais em torno desta matéria:
1.º – Não existem experiências na costa portuguesa que atestem a eficiência dos quebra-mares destacados na recuperação das praias arenosas… sabe-se apenas que teoricamente a ideia será promover a acumulação de areia entre o quebra-mar e a praia, aumentando assim a largura de praia; assim, a execução desta obra além de dispendiosa seria um “tiro no escuro” em termos da resolução do problema que existe no Furadouro.
Tanto quanto sei não existe nenhum estudo técnico que garanta a eficiência desta obra pesada de engenharia; se existe, esse estudo deveria ter sido suficientemente divulgado junto da comunidade.
2.º – Saliento que para se concretizar o objectivo do ponto anterior é preciso que haja areia em quantidade suficiente na corrente de deriva litoral, de modo a promover a dita acumulação… e o facto real é que essa areia não existe! A corrente de deriva litoral está muito deficitária de carga sólida.
3.º – Não havendo areia em quantidade suficiente na deriva litoral, essa pouca areia tenderá a acumular-se frente ao quebra-mar destacado… mas, tal como já acontece com os esporões (acumulação a barlamar e erosão a sotamar) também iria acontecer o mesmo com o quebra-mar destacado (acumulação na frente do quebra-mar, erosão a sotamar).
4.º – A presença do quebra-mar não resolveria o défice de areia da corrente de deriva, mas seguramente promoveria a erosão de sectores adjacentes já muito erodidos. Ou seja, o quebra-mar constituiria mais um factor de erosão!
5.º- Face ao que foi referido no ponto 3 será muito provável que na melhor das hipóteses, a acumulação de areia junto ao quebra-mar desse origem no curto/médio prazo ao aparecimento de barras submersas e não propriamente a praias mais extensas. Ou seja, a largura de praia emersa não seria alterada!
6.º – Se o sistema de alimentação contínua de areias (bypassing) passar a ser uma aposta global para todo o litoral (como aliás o venho a apontar, pois não vejo outra alternativa num futuro próximo!) tudo o resto (esporões, enrocamentos, paredões, e quebra-mares destacados,….) deixariam de ter justificação, pois a areia iria apresentar um circuito natural entre a água e a praia!
7.º – Logo que esta dinâmica costeira fosse estabelecida, o aparecimento de barras arenosas de longshore e de inshore seriam restabelecidas de forma natural fazendo esquecer aquele argumento patético da importância do quebra-mar destacado para melhorar as condições do surf!
Senhor presidente da Câmara Municipal de Ovar, se tem argumentos técnicos que mostrem que este raciocínio está errado explique-os, esclareça, ensine… mas não deixe ninguém com aquela sensação desagradável de que o senhor, seja por que motivo for, não faz parte da solução, mas sim do problema!
Álvaro Reis, Eng.º
In Ondas e Ventania