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O maravilhoso mundo dos violinos da família Capela

... está aqui tão perto.

É um dos instrumentos do Natal. O violino, além de ser indispensável nos clássicos da época, a sua forma integra-se perfeitamente no espírito natalício e é muito utilizado nas decorações.

Mas não é desses que vamos falar hoje. É dos violinos a sério. Numa arte sem grandes tradições em Portugal, a família Capela, da freguesia de Anta, em Espinho, rivaliza com os melhores ‘Luthiers’ do mundo.

Dali partem violinos para todos os cantos do mundo, mas a arte da ‘lutheria’ foi uma herança de família que começou há quase cem anos, por acaso. Foi em 1924 quando Domingos Capela decidiu esculpir para uso pessoal que tudo estava a começar. Fê-lo com tal arte e engenho que, em breve, seria conhecido mundialmente.

Por esta altura, o jovem marceneiro Domingos Capela, ainda nem sonhava que iria consertar o violino de um famoso músico italiano aquando da sua atuação no casino da terra. Que história!

O italiano Nicolino Milano entrou numa marcenaria em Espinho em busca de alguém que lhe reparasse o violino que trazia consigo: desceu do primeiro andar onde estava hospedado ao rés-do-chão, onde o senhorio tinha a marcenaria, à procura de quem lhe desse uma mão. O marceneiro olhou para o instrumento e, constatando que aquilo não era para ele proferiu uma frase que havia de traçar a vida de três gerações e colocar Portugal no mapa dos construtores de violinos: “Fale ali com aquele moço, o Domingos, que é muito habilidoso para essas coisas.”

E assim foi. A perfeição demonstrada no trabalho foi tão evidente que Milano lhe viria a entregar mais sete violinos para consertar. Faleceu em 1976, mas os violinos continuaram a ser solicitados, agora, ao seu filho, António Ferreira Capela, que ainda hoje vive na freguesia que lhe deu o ser. Apaixonado pela arte do seu pai, que é sua também, Joaquim já deu provas mais do que evidentes do seu real valor, reconhecido internacionalmente. E é com normalidade que o neto de Domingos e filho de António, conta: “O meu avô começou a fazer violinos aqui, em 1924, ainda em casa dos pais dele, aqui perto”. Quando casou, em 1931, viria a mudar mais três vezes de casa. Depois, “começou a construir esta casa e só quando ficou pronta é que veio para cá, em 1939. Agora, é a minha vez de seguir em frente”.

Mudou recentemente de instalações mas na nova casa, já não tem a companhia do pai António. “Ele tem 91 anos e esteve comigo aqui a trabalhar até ao surgimento da pandemia Covid”, recorda. Agora já não vai tanto à oficina, “mas a vida e a minha atividade continuam, porque só deixarei de fazer violinos se me cortarem as mãos”, avisa Joaquim.

António Capela cimentou o nome Capela à medida que o seu sucesso internacional crescia. Estudou em Paris e Mirecourt e também em Itália, na cidade de Cremona, terra dos Stradivarius, com bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian. Os seus estudos permitiram-lhe aperfeiçoar a técnica de construção de violinos.

Nova geração de violinos

Seguindo as pisadas do avô e do pai, Joaquim Capela construiu o seu primeiro violino aos 13 anos, mantendo garbosamente uma tradição familiar que já vai na terceira geração.

Está a falar connosco e a recuperar um violino do século XVIII em cima de uma das bancadas de trabalho. “São bastante raros violinos com esta idade, porque muitos despareceram com o tempo e a outros trocaram-lhe as etiquetas”, assinala.

Esta é uma recuperação, mas as encomendas de novos violinos continuam a cair em Anta. António é que só tem duas mãos e não aceita mais do que aquilo que pode fazer. Se a escassez é atributo do preço, então um violino Capela, construído de raíz, pode custar vários milhares de Euros.

Na sua oficina de Anta, onde os violinos parece que caem do teto e cobrem as paredes, decorando-as, Joaquim nem dá pelos dias passarem.

Os violinos são belos instrumentos, mas não é por isso que estes são uma obra de arte. “Fazemos tudo tal e qual o italiano Stradivarius fazia, isso não muda. É por isso que nos chamam o Stradivarius português”. Nós preferimos chamar-lhes os Capela italianos. São perspetivas.

Uma coisa é certa: A matéria prima esteve sempre mais longe dos Capela do que dos concorrentes italianos. “As partes de trás são de madeira de ácer dos balcãs”, começa por explicar o construtor espinhense. A parte da frente é pinho, só que é dos alpes italianos. Aquelas espécies têm as características imprescindíveis necessárias para os standards desejados. “Não há em Portugal madeira com tais caraterísticas. Tenho que ir lá fora, avaliar as madeiras, comprá-las e esperar que cheguem. A única coisa que temos nosso é as mãos”, ri-se, exibindo-as, abertas.

Depois, escolhe o molde, serra a madeira e, com pequenas plainas, goivas, formões e facas faz o contorno e cola as peças umas às outras com uma mistura de pele e osso. Dito assim parece fácil. Um pedaço de madeira, em repouso, ainda não é um violino, mas o seu destino está traçado. Vai tomar forma quando as finas espirais de madeira se espalharem pela bancada e pelo chão e vai transformar-se.

De repente, Joaquim pega num pequeno frasco com um líquido cor de sangue brilhante, muito brilhante. É o famoso verniz Capela. Joaquim garante que deste “segredo” pouco se fala. Se é segredo também não vai se vai falar agora.

Há cerca de 100 anos, os primeiros violinos do avô Domingos foram construídos em madeira de plátano. Mas isso não deixou de impressionar, em 1931, o músico italiano Nicolino Milano que voltaria a Espinho para lhe propôr um emprego na casa Hill em Londres, que Domingos Capela veio a recusar por motivos de ordem familiar.

Na cidade do Porto, viria, no entanto, a conhecer a violoncelista Guilhermina Suggia, que o convidou a trabalhar no Conservatório de Música do Porto para consertar instrumentos de arco. A partir daqui, nunca mais deixou de construir instrumentos de arco, violas e guitarras, trabalhando na sua oficina, situada perto do Largo da Igreja de Anta.

Na década de 1960, Capela participa em concursos internacionais, onde alcança lugares de honra e aumenta a cobiça. Joaquim diz que “é difícil dizer o nome de um violinisita famoso que toque um Capela”. “O violino é como um pássarinho: Hoje está aqui e amanhã está noutro lado qualquer”. Também há aqueles executantes que se afeiçoam, mas não são muitos.

Como construtor, a fama foi sendo granjeada ao longo de páginas brilhantes quando se pôs a competir com os grandes construtores de violinos. Em 1963, participou no concurso de Liège, Bélgica, onde ganhou o primeiro prémio na categoria de sonoridade e o quarto na categoria “Luthier”. No ano de 1967, concorrendo com dois violinos, participou num concurso em Poznan, na Polónia, obtendo um 2º e um 4º prémios. O seu maior êxito concretizou-se em 1972, novamente em Poznan, onde concorreu com quatro violinos, alcançando os quatro primeiros lugares e as maiores pontuações de sonoridade e trabalho. Como júri, têm participado em diversos concursos internacionais.

Os prémios são bons, mas o resultado final de um instrumento é “sair daqui pronto a ser tocado”. Mas não há dois Capelas iguais. “Cada violino adquire a personalidade do executante. Embora seja feito de material morto, ele está vivo. e vai ganhar a personalidade da pessoa que o toca. E isso foge-nos completamente de controle”, ri.

Rostropovich, David Oistrach e Yehudi Menuhin são alguns dos muitos solistas que tocam com instrumentos Capela.

Ao pai de Joaquim, a Câmara Municipal de Espinho concedeu a Medalha de Prata de Mérito Artístico e, em 1991, a Presidência do Conselho de Ministros condecorou-o com a Medalha de Mérito Cultural, de valor artístico nacional e internacional.

Filho e neto de “luthier”, tem participado em diversos concursos internacionais e alcançado vários prémios em concursos realizados na Itália, Polónia, Alemanha, Bulgária e Japão, mantendo uma tradição familiar arreigada.

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E a seguir? Há aprendizes interessados? Joaquim recorda que quando começou, não reparou no “tempo que o meu pai perdia comigo”. “Foram enormidades. Só um pai com um filho se daria a esta estrega”.

A sobrinha de Joaquim andou por ali, “sentada ao meu lado e sempre que fazia alguma coisa, virava-se para mim a perguntar se estava bem”. Foi aí que verificou o tempo que o pai deve ter perdido consigo. “Foram muitas horas mesmo”. Os filhos de Joaquim, também, não querem continuar com isto. Os violinos Capela vão tornar-se um caso raro de elegância, bom gosto e classe. “O futuro disto só conseguirei ver daqui a 10 anos, quando me reformar”.

Entretanto, há um violino de 1700 ali dentro e Joaquim pondera dormir com ele no quarto enquanto não o entregar o proprietário.

 

 

 

 

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