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Dar o que se tem sem olhar a quem

Deu que falar nos últimos dias em Ovar. Mas afinal quem teve a ideia de ofertar verduras e legumes (e não só) a quem passava na Avenida do Emigrante, no Furadouro? Durante dois dias, deu-se ao trabalho de colher verduras e legumas da sua horta para oferecer a quem passava pela sua porta. Com o produto da “colheita” encheu cinco sacos e pendurou-os no gradeamento da vedação exterior do jardim de sua casa. Quem teve a sorte de passar por ali, serviu-se.

As embalagens, transparentes, deixavam adivinhar o que ia lá dentro. “Nos saquinhos, disponibilizei chuchu, hortaliça variada, salsa e abóbora e até incluí um miminho para as crianças”. Ao lado, um cartaz anuncia: “É melhor dar que estragar. Se quiser, leve um”.

A casa de José Henrique situa-se junto de uma pista ciclável e pedonal bastante concorrida, usada por muita gente todos os dias. Não admira nada que mal virou costas, os sacos tenham desaparecido em pouco tempo. “Eu não quero saber quem levantou as coisas e então mal penduro os sacos, fujo, desapareço, não me interessa ver quem os leva”, relata.

Por isso, “saí e quando regressei já não estava aqui nada, mas era essa a ideia, fiquei contente”, conta. Na terça-feira, só ficou um pouco triste, porque depois de regressar a casa, “reparei que do outro lado da estrada estava uma senhora magrinha com um bebé ao colo a olhar para cá, mas já não havia nada. Se calhar queria mais, mas …”
Anteontem, voltou a oferecer mais quatro sacos cheios e logo atraiu as atenções de quem passava. “Eu soube que alguém estava a oferecer hortaliça e pensei logo em passar por aqui para dar os parabéns ao autor da ideia”, explicou um ovarense que passava. “Não vou levar nada porque felizmente não preciso, mas se ele quiser eu pago um saco e levo”. José Henriques disse logo que não: “Isto é para dar a quem precisa”.

José Henrique diz que entende “as dificuldades que as pessoas estão a passar, há muita pobreza envergonhada”. “Sei dar o valor porque fiquei sem pai aos oito anos e no orfanato éramos tratados como lixo. Passei fome”.
Diz que foi habituado a repartir e distribui “muita coisa pela família mas aonteontem enquanto estava a descascar chuchus para guardar na arca, vi que era muita quantidade só para nós cá em casa. Perguntei para os meus botões: Eu não vou comer isto tudo. O que vou fazer? Não vou deitar fora. É pecado”. E ficou a pensar naquilo.

Poiuco depois foi colher umas abóboroas e eram tantas que “pensei o mesmo”. “E acendeu-me uma luz: acho que vou dar o que tenho a mais porque as pessoas andam todas tristes e assim posso contribuir para dar um pouco de alegria a quem precisa. Vou distribuir isto”. José Henrique esclarece que “nem é uma questão de ser preciso. Assim, já não se estraga”.

“As pessoas levam e se não precisarem já é um problema que deixou de ser meu”, sustentando que “não queria estragar as coisas e, claro, espero que quem leva não estrague também”. Depois, foi ensacar tudo equitativamente para todos os sacos terem sensivelmente o mesmo produto e peso.

“Bichinho” da agricultura
Isto da agricultura está a correr bem. Eu cheguei a pensar aqui em faxer uma horta comunitária, e este ano cheguei a plantar batatas e couves mas depois veio muita chuva e estragou-se. Mas ainda assim tenho muita coisa e chega e sobra para mim.

José Henrique não fica indiferente aos “estragos” desta pandemia. Por exemplo, conta ele que enquanto residente no Furadouro costuma ir dar uma “volta ao paredão central da praia e todos os dias aparecem caras novas a pescar, mas a maior parte já não é por desporto como era costume até aqui”. Agora, descreve, vêm muitas pessoas pescar para ver se dá qualquer coisa para comer. Vêm de todo o lado até cá. Repare: Se sair um peixinho ou outro já é uma refeição e faz diferença no orçamento familiar”.

“É isso que eu pretendo, que as minhas verduras e legumes possam dar uma ajudinha no orçamento de uma família porque a vida não está fácil e pelo menos umas sopinhas sei que estes sacos dão para fazer”.

(Ler notícia do jornalista Luís Ventura in Diário de Aveiro)

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