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Festa: O maravilhoso mundo do desenho de Sara Alves

Fixe este nome: Sara Alves. A ela cabe uma grande (e boa) responsabilidade: representar a sua cidade, os vareiros no âmbito do mais internacional Festa de sempre. Entre as companhias espanholas, francesas, portuguesas, lá está a Sara Alves, a única artista nascida em Ovar com honras de figurar no cartaz principal do evento.

Ela já expõe e mostra o seu talento há muitos anos, não só em Ovar, mas uma instalação artística monumental como esta, “Boundaries of the water lines”, que abraça três edifícios da nossa identidade colectiva, é a primeira vez que faz.

“Estes três projectos englobam três representações de desenho no espaço”, diz Sara Alves ao OvarNews, no seu jeito humilde ser, que contrasta com a envergadura da sua obra.

Sara tinha de criar uma ligação entre tudo, o “hyper-drawing” que a apaixona enquanto representação tridimensional do desenho, o lugar, o processo e a experiência, que passa por caminhar pelo desenho, ou seja, o espectador viver o desenho. E pensou: “Se estou em Ovar e aqui temos algo que eu adoro como as linhas de água, as linhas da Ria que se ramifica, isto é, uma bacia hidrográfica única, pouco comum em Portugal”, estava ali uma fonte de inspiração em potencial.

“A minha intenção foi pegar nessas linhas e levá-las para espaços que queria que tivessem uma ligação com essas linhas de água. Para lugares que têm uma identidade para nós, enquanto ovarenses”.

Sara Alves foi estudar a rede hidrográfica e marcou três pontos identitários para os vareiros. O primeiro foi o Centro de Artes e Oficios, que “já foi um moinho, depois fábrica de papel e hoje é local de cultura”. “Se seguirmos pelo rio encontramos a Biblioteca que, sendo uma construção recente está implantada numa zona que já foi de lavadeiras tão características de Ovar”, continua a artista.

Para um terceiro lugar público e identitário, Sara Alves seleccionou o Museu Júlio Dinis, desta vez um lugar afastado proposidamente das linhas de água. “Entre o que restou da casa, ficou o tanque original que já estava nas histórias de Júlio Dinis”, explica. Lançando mão da topologia, estava criada uma rede de “pontos que se ligam por camadas que representam sinais de uma mesma matriz que é a água, nem sempre evidentes à primeira vista”.

Vamos à trilogia de obras que a Sara Alves tem patentes no Festa. Uma espécie de guia para ajudar o leitor a vivenciar um trabalho dinâmico, de grande fôlego, que precisa de ser usufruido para ser entendido.

Na Biblioteca Municipal de Ovar, está “Lines Above the water”, um desenho que ganha corpo, uma bifurcação idêntica à do local onde o imóvel está construído. Feito em alumínio, resultou do estudo dos materiais, do Sol, do vento, cujos reflexos “representam no chão e nas paredes outras linhas, convidando as pessoas a participar no desenho”.

Na Escola de Artes e Ofícios, temos chapa galvanizada, na representação de um desenho da rede hidrográfica do rio Vouga, aumentada à escala e repetida. Em “Expanding the lines in a water boundarie”, adianta Sara Alves, “provoquei uma linha volumétrica e de sobreposição de planos”. O trabalho foi pensado para o Museu Santa Joana de Aveiro, cidade que faz parte da nossa mesma rede hidrográfica. A obra tem de ser (re)descoberta): Quando lhe dá o vento, há reflexos diversos, emana o som das águas, é um trabalho que se transforma. “É para ser visto a caminhar, ouvir e ver de perto os pormenores”, sugere a autora.

O trabalho patente no Museu Júlio Dinis (“Water under the lines”) é muito interessante. Sara admite que sempre quis fazer um trabalho com transparência e como não podia trabalhar dentro onde já está uma exposição, “aproveitei o jardim e a altura do vidro, e o espaço fica contínuo para o exterior. A ideia é direccionar o desenho para o tanque. É para ser visto de diferentes ângulos”, aconselha.

Antes de chegar ao resultado final, a artista fez muitos desenhos e registos das formas provocadas pela água e ali “estão os remoinhos que vi junto da ponte de São Roque, na Moita, neste caso, a dirigirem-se para o tanque. Há um fluxo, diferentes planos estudados para que o espectador os descubra, mas se descobrir outras coisas, melhor ainda”, ri-se.

No Museu onde viveu o escritor, Sara Alves elegeu o acrílico para material. Deu muito trabalho, fez quase tudo sozinha e pagou tudo do seu bolso, “o apoio financeiro ou patrocínios vinham mesmo a calhar”.  Actualmente desempregada, Sara Alves garante que se diverte muito a fazer estes trabalhos, porque a “adrenalina da obra a ganhar forma mediante aquilo que tenho na minha cabeça, é incrível”. “Isto pode ser visto como desenho 4D, por entrar noutras dimensões, tal como o cheiro, o som, etc”.

A emergência do criar
Mas este projecto não surge por acaso. “Os artistas têm inquietudes e isso faz emergir o nosso trabalho, porque não ficamos descansados enquanto essa emergência não sai”.

Sara Alves não encara a arte como carreira, mas no seu interior, na sua essência, “sinto-me uma artista, mas o meu trabalho nunca foi só direccionado para a arte, porque sou professora de arte, já dei aulas em muitos sítios. Tive de optar por dar aulas, porque precisava de ter a minha subsistência”. “Ser artista obrigava-me a sair para fora, para o estrangeiro, e a um tipo de investimento que não podia”. Restou-lhe esperar que as coisas acontecessem – “desde que se faça um esforço para que aconteçam”.
“Tenho feito um grande esforço para que a minha essência esteja sempre presente”, confessa, admitindo que isso tem acontecido. “Uns anos mais outros menos. Em paralelo com a família e a profissão”.

Mas ela queria mais. O ano passado sentiu quer era altura de voltar a estudar, porque não queria estagnar, queria renovar-se, contrariar o que se estava a desvanecer dentro de si. “Senti que tinha de me enquadrar com a actualidade”.

“Eu tenho qualquer coisa que preciso de pôr para fora que é uma necessidade de sobrevivência, não é vaidade nem pretensioso”. Sara costuma dizer que tem tantas ideias que não tem espaço para elas. “Tenho um quarto cheio de coisas feitas que nunca ninguém viu. Isso cria uma certa auto-destruição, é como estar a castrar-nos”.

Um mestrado em Criação Artística Contemporânea, na Universidade de Aveiro foi o grande desafio que a trouxe até aqui.

Quando se inscreveu, aceitaram-na logo, o ano curricular correu bem, era a única aluna casada, com filhos e a trabalhar. “Senti-me muito realizada, gostei de tudo, mesmo aulas teóricas”. O director de curso dizia-lhe que ela tinha uma vantagem sobre os colegas: “eu tinha a experiência e o sentido de responsabilidade. O conhecimento faz-nos perceber que não conhecemos nada, dá-nos humildade, porque há sempre quem tenha feito melhor que nós, mas no fundo temos que nos desafiar”.

“Ao longo da vida, vamos acumulando conhecimento, mas há coisas que são muito próprias em nós e vamo-nos apercebendo da alma do que vamos fazer. Este trabalho vem daí”.

No segundo ano do mestrado, os alunos tiveram de criar um projecto com base nos conhecimento adquiridos no ano anterior e a partir daí, desenvolver um trabalho com objectivos. “Andei um pouco à nora, porque todos os meus projectos era muito grandes e os meus orientadores achavam que um ano não dava. Comecei mais tarde, porque tive de avançar com um projecto mais simples, não muito diferente deste, com a mesma abordagem, num sítio que era representativo para mim, e nada melhor que Ovar, cidade onde nasci e que me é emblemática”.

O desafio da descoberta

E foi assim que nasceu um projecto em que se valoriza um lugar, um espaço, representativo de culturas e sinais que não são imediatamente visíveis mas que a artista quer que o sejam, que os descubram.

A essência deste projecto tem a ver com o desenho, “porque a minha investigação tem a ver com o desenho, a forma de o representar mais contemporânea: não é um registo gráfico, é o desenho no espaço, literalmente no espaço, que ao materializar-se pode envolver o espaço e o espectador que o observa e usufrui. É isso que está neste projecto que engloba três representações de desenho no espaço”, resume Sara Alves, a única artista vareira presente no Festa 2016.

Apesar do trabalho ser concebido e executado por ela, Sara não pode deixar de agradecer todo o apoio que foi tendo ao logo desta jornada. “Quer daqueles que não me deixaram desistir quando quase o fiz, me apoiaram diariamente, acreditando e confiando em mim. Depois, aos amigos Melo Rosa e Ana Martins, e ao meu pai pela disponibilidade e ajuda nas montagens das obras. A minha mãe não esteve pois fez a outra parte: cuidar dos meus filhos! Isso foi muito importante para tornar possível o desenho bidimensional transferido para a tridimensionalidade”. Foram muitos os amigos que a acompanharam e apoiaram no processo que está ainda por terminar.

Sara Alves agradece também ao vereador Alexandre Rosas, “pela oportunidade, por acreditar neste projecto” e também a Ângela Castro, da Biblioteca Municipal, e a António França, do Museu Júlio Dinis, por toda a abertura, incentivo e apoio que lhe deram. “Assim, cada movimento, sombra, reflexo, cor, linha, é deles também!”

(Fotos do arquivo pessoal de Sara Alves, excepto foto principal da autoria de Ricardo Chaves)

Breve CV
Sara Alves nasceu em 1973, em Ovar, onde reside.
Participação em exposições individuais colectivas nacionais e internacionais.
Das colectivas destacam-se: 2ª Classificada – MOCAP35 – (Janeiro de 1997); Salão Primavera – Casino do Estoril (Março de 1997); Finalistas na Cooperativa Árvore (Junho de 1997); Finalistas na Fundação Coopertino Miranda (Outubro de 1997); Galeria ‘Ao Quadrado’ (Dezembro 1999); “6º Prémio Fidelidade Jovens Pintores”, Culturgest (Outubro 2000); “IV Plenário de Artistas”, Centro de Arte de Pernik, Bulgária (Outubro 2001); “Pintores Ovarenses”, Centro de Arte de Ovar (Agosto 2011); Museu de Ovar (Dezembro 2012); “Murmúrios do passado”, Casa museu Júlio Dinis (Março 2013); Exposição coletiva “Expressões de Fé”, Centro Multimeios em Espinho (Setembro 2013); Exposição coletiva “Pintura de artistas do concelho de Ovar”, Posto de Turismo de Ovar ( Abril de 2014); Exposição e Residência Artística “Nodar”, Termas de são Pedro do Sul (Abril de 2015); Exposição “Praxis e poiesis: Museu de Aveiro – Santa Joana Princesa (2015); Exposição EXPO-2016 – Museu de Aveiro – Santa Joana Princesa (Junho 2016).
Exposições individuais: Hotel Vera Cruz (Dezembro de 1995); “Para Além do Olhar” – Espaço Aberto (Abril de 1999); “Alma”, Biblioteca Municipal de Ovar (Agosto 2003); “ Em suspenso”, Museu de Vouzela (Agosto 2007).
Participações:
Participante no L.E.I.A. Livros, Encontros, Ideias, Autores – Jornadas da Rede de Bibliotecas de Ovar, com a reflexão: O texto escrito e a imagem na formação do (s) leitor (es)” (Julho 2016)
Participante CONFIA_2016 (conferência internacional de ilustração e animação) com o paper: “O desenho que providencia um contexto” (Junho 2016).
1.2.9” Participante no 14° Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#14.ART): Arte e Desenvolvimento Humano, apresentação do poster: “Desenho e espaço | o espaço enquanto potenciador do desenho” (Outubro 2015).
Participação na Residência artística como Representante dos Artistas de Ovar – “IV Plenário de Artistas” – Pernik, Bulgária (Outubro 2001)
Ilustradora de diversos manuais escolares da Porto Editora, Edições NovaGaia e livros infanto-juvenis,

Docente do grupo de Artes Visuais frequenta o segundo ano do Mestrado de Criação Artística Contemporânea do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro.
Licenciada em Artes Plásticas – Pintura, com as vertentes Fotografia e Cerâmica, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Profissionalizada em Serviço no grupo de Artes Visuais pelo Centro Integrado de Formação de Professores da Universidade de Aveiro.

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