Cultura

Festival de Artes Performativas Contemporâneas prestes a ‘habitar’ (n)uma tanoaria…

Dir-se-ia, sem qualquer presunção e de forma anagramática, que este evento numa ‘tanoaria’ é algo que muita gente ‘anotaria’ na respetiva agenda pessoal. Comecemos então por sublinhar as datas, decorre a 6 e 7 de junho, sexta e sábado, naquele que é um dos mais antigos exemplares ainda em atividade no concelho de Ovar: a Tanoaria Josafer. Situada em plena cidade de Esmoriz e em laboração ininterrupta desde a sua fundação em 1962, esta unidade que se dedica a essa arte ancestral vai converter-se num habitat artístico que em 2025 alcança a 9ª edição, sempre neste [mesmo] lugar. A iniciativa resulta do esforço conjunto entre a companhia Imaginar do Gigante, que tem a seu cargo a responsabilidade da coordenação e direção artística e da Câmara Municipal de Ovar, enquanto entidade organizadora/promotora do evento.

O TAN TAN TANN – Uma onomatopeia produzida a partir do eco repetido do ruído provocado pelo batimento dos martelos nas madeiras e nos aros de ferro das pipas assume a condição de título deste festival interdisciplinar de artes contemporâneas alternativas, que este ano volta a mostrar a fusão entre o universo da arte laboral associada à tanoaria e à tipologia tradicional de um ofício e, já agora, de um certo modus operandi que se foi perpetuando ao longo do tempo e a sua soma a uma a outra vertente: a da fruição de espetáculos, performances bem como de uma instalação permanente.

Esta comunhão entre os dois pólos, descrita em epígrafe, constitui uma mais valia para todos no seio do público que acede às propostas do TAN TAN TANN, mas sobreleva o interesse e o valor que é intrínseco a esta junção, sobretudo para o público mais jovem.

Há, por outro lado, um alcance notório junto de um público segmentado que habitualmente entra na demanda de propostas mais alternativas, mas o TAN TAN TANN incumbe-se de sacudir qualquer laivo de elitismo na receção e acolhimento de quem nele participa enquanto visitante e espetador e as 8 edições realizadas até à data encarregam-se de comprovar a mescla de perfis de público que frequentam a iniciativa. Aqui, cabem, como diria o recém-falecido Papa Francisco: “Todos, todos, todos!”

Um cardápio artístico para bem “TAN… OAR”!

As ‘positivas hostilidades’ abrem na sexta-feira, às 21h30, com uma incursão pelo binómio máscara e teatro físico através do DÍRTZTHEATRE, uma companhia oriunda de França que apresentará “Alias”, um espetáculo que é uma revelação sensível e carnal, uma incursão pelo domínio do psicossomático e os seus mistérios. Uma cabeça, um corpo e um ego (tirânico e desajeitado) fustigados por uma dimensão existencial marcada pelo caos. Nesta “anatomia complexa” do ser(-se) há, ainda assim, ombros capazes de aguentar, de suportar, o peso da existência. “Alias” revela um homem que tenta libertar-se das suas múltiplas camadas, das suas amarras, e parte na busca de encontro do eu com o “outro” que também se alberga no seu próprio corpo e urge ser descoberto. E quem se esconde por detrás do homem? Há nesta performance um desejo emergente em filosofar, afinal um verbo que faz falta aos nossos dias.

Por seu turno e em mote sequencial, Carlos Raposo apresentará um combinado de géneros aparentemente distintos no estrado: a comunhão entre a Viola Campaniça e a eletrónica. A proposta do músico afirma-se através de uma simbiose entre a música tradicional portuguesa, com referências que contemplam a música folk e o fado, bem como as guitarradas de Carlos Paredes – que ganham vida na guitarra campaniça – e a música eletrónica, que é sustentada por sintetizadores clássicos das décadas de 70 e 80, como são os casos do Mini Moog e o Juno 106.

É possível sentir ‘in loco’ a viagem neste universo sonoro que é marcada pelos tons melancólicos e melodias da Viola Campaniça e os sons eletrónicos, que nos guiam numa experiência por vezes psicadélica sem nunca sairmos da Portugalidade e da tradição. Por isso, agora é um imperativo: Dancemos a Chula 2.0!

No sábado, às 21h30, e também proveniente de terras gaulesas, tal como na abertura do festival, chega-nos uma abordagem da tipologia objetos e teatro visual, pela mão da CIE JUSCOMAMA. Há desde logo um face a face: cara a cara, duas silhuetas estranhas observam-se. A fantasia abunda, as intérpretes com as cabeças envoltas em cubos pretos, desfilam sob o giz: um céu estrelado, uma cidade a preto e branco, um pássaro colorido ou rostos que exprimem múltiplas emoções…

Nesta deambulação, entre o jogo de máscaras e o teatro de objetos, vai-se desenhando toda uma história – adivinhada, por vezes apagada, para melhor se reinventar. Afinal, uma viagem surreal e poética trazida à liça pelas atrizes Justine Macadoux & Coralie Maniez.

Após a performance da dupla de intérpretes francesas, segue-se um outro duo, desta feita musical, cuja origem é da Venezuela: ARIANNA Y KAUÊ. A parelha aposta nas canções de família, tempo e emoção. O desafio é embalar o público de forma terna, com uma chancela forte da denominada música de autor ao ritmo tamboreiro e do cuatro (instrumento típico da Venezuela). Um par que além de cantar, vai certamente encantar.

Em regime de permanência até ao final do festival há uma instalação sob o signo intitulada “A Ilusão”, da autoria de Paula Moita. Nesta proposta artística, os visitantes são convidados a embarcar numa jornada, uma viagem, onde é posta à prova a sua visão sobre o que é real e aquilo que é mera aparência. Com recurso a uma experiência interativa visual e sonora, é-nos revelada a forma como a mente humana lê e interpreta o mundo à sua volta, moldada por opiniões ou expectativas internas e externas, sob a influência das redes sociais e condicionada pela fugacidade da vida. A instalação remete o visitante para uma reflexão que deixa no ar duas questões que são tributárias de igual número de respostas: Qual é o papel da ilusão na construção dos nossos objetivos e da nossa identidade? Quão frágeis são as fronteiras entre o real e o imaginário no nosso dia-a-dia?

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