Histórias de vitória sobre o cancro da mama
Fez, recentemente, 10 anos que recebeu a notícia: “Você tem cancro na mama”. Foi assim, friamente, que Lucinda Maria Almeida recebeu a noticia, pelo telefone. “Estava a trabalhar e chorei, chorei, chorei. Chorei muito”, confessou, este sábado, durante a palestra de sensibilização e prevenção contra o cancro, que decorreu na sede da escola de samba Costa de Prata. Ligou para o seu médico, “o doutor José Romão e ele… chorou comigo”.
“Disse-me para esperar pelo grau em que estava e depois pensar. Pensei que não ia aguentar. Nunca se sabe se vamos aguentar. Por acaso, aguentei”.
Habituada a participar em jornadas de sensibilização para a doença, defende que “as coisas têm que ser ditas”. Ela não queria ir para o Instituto Português de Oncologia (IPO). “Podia ser tratada no privado, mas só no público tinha em quem confiar”, admitiu. Acabou por ser tratada e operada no Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde tinha médicas amigas. “Em especial, no que se refere à cirurgia da mama, a doutora Teresa Santos, que ainda lá está”.
Quando recebeu a noticia, preocupou-se com o que havia de dizer à sua filha de 13 anos, na altura. “Teve que ser e ela respondeu-me: Mãe, hoje já não se morre disso. Tiras a mama, compras uma mama nova e ficas como uma menina de 18 anos. Foi o que eu fiz”, riu.
O conselho que deixou à plateia foi: “É importante levar as coisas neste espírito. Mas é claro que também há coisas muito difíceis no tratamento”.
Na altura, não lhe disseram, mas hoje sabe que era um tumor “feio e grave”. “Os médicos eram meus amigos, acharam que não me ia safar e não me disseram”.
Lucinda não poupa nos elogios para a equipa que ali a tem acompanhado: “Gosto muito da forma como me tratam e continuam a tratar”. Já passaram 10 anos e “ainda não me deram alta. Gostam de mim e eu gosto deles todos”.
A notícia foi um choque maior porque Lucinda tinha feito um exame seis meses antes e não tinha nada. Posta perante a dura verdade, “agarrei-me à ideia de que queria ver a minha filha crescer. E consegui. Ela foi a minha muleta. Nos dias melhores e piores, chegava a casa e tinha a minha muleta”, recorda. Hoje, a “minha muleta” cresceu e está a milhares de quilómetros de distância. Lucinda tem ajudado e integrado muitas campanhas, muitas acções, muitas jornadas e anunciou, no sábado, que seria, provavelmente, “a última vez que me entrego assim aos outros. Já fiz a minha parte. Tenho que começar a pensar em mim. Não sou a única e há muito a ser feito”.
Exortou outras mulheres a dar a cara, lembrando que “é preciso denunciar que o Ministério da Saúde está a cortar muito no tratamento do cancro”. “Cortou, por exemplo, a consulta psicológica mensal que disponibilizava à mulher com cancro. Muitas mulheres só saiam de casa para lá ir. Acabaram com isso. Não se faz. Andamos cá fora e nem nos lembramos destes dramas. Nem todas são como eu, que fala abertamente sobre tudo”. Mas pediu: “Não lhes chamem coitadinhas, pois se o fossem não se tratavam sequer”.
A bonita iniciativa da Costa de Prata contou com mais testemunhos pungentes de Márcia Pereira e Paula Coimbra e as intervenções de Maria Celeste, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Bárbara Pereira (psicóloga), Sónia Azevedo (sexóloga) e Rita Caldas, Médica de Obstetrícia e Ginecologia no CHEDV.