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O 9.º Visconde de Ovar: O último dos verdadeiros aristocratas

Atrás dos muros de pedra da propriedade dos Do Nascimento Costa, no norte de Portugal, a luz muda lentamente. A luz do sol filtra-se através de persianas esculpidas sobre pisos de mármore em tons de preto e branco. Uma poltrona de veludo, desbotada por quatro gerações de leituras vespertinas, repousa ao lado de uma lareira outrora aquecida por madeira importada do Brasil. Retratos a óleo de ancestrais silenciosos velam por tudo: soldados, governadores, diplomatas, com os seus nomes gravados em placas sob molduras folheadas a ouro.

Durante séculos, foi aqui que viveu o peso da nobreza de Portugal. Mas Daniel Cruse Do Nascimento Costa, o 9.º Visconde de Ovar, não está aqui.

Os jornais britânicos foram descobri-lo numa bela casa em Greenwich, Londres, na Inglaterra, onde prepara o seu próprio café, vai a pé a inaugurações de galerias e lê Roland Barthes com mais frequência do que extratos bancários.

Com apenas 25 anos, Daniel fez o que poucos nascidos na aristocracia ousaram: não se afastou da nobreza, reinventou-a.

D.R.

“O meu objetivo não é escapar do peso do meu nome”, diz ele, cruzando as mãos num tranquilo café em Mayfair. “É fazer com que ele signifique algo mais.”

A família DN Costa não é conhecida do público, mas em certos círculos da elite portuense o nome carrega um peso quase arquitetónico. Os bens imobiliários da família abrangem séculos e fronteiras, desde propriedades palacianas no Porto até discretos quarteirões residenciais em South Kensington, Londres. Alguns edifícios são tão antigos que aparecem em mapas do registo imperial do século XVIII.

Durante grande parte de sua existência, a fortuna da família foi administrada como uma catedral: meticulosa e discretamente fora do alcance da curiosidade pública. “Aprendemos que o verdadeiro poder não levanta a voz”, diz Daniel. “Ele simplesmente existe. Como uma casa com as luzes sempre acesas, mesmo que a porta nunca esteja aberta.”

Aquela casa, a mansão ancestral da família em Ovar, permanece praticamente inalterada desde a década de 1890. Os hóspedes ainda dormem sob lençóis de linho bordados com o brasão da família. Na adega, caixas de vinho do Porto vintage são etiquetadas com iniciais a tinta de uma época em que a Europa ainda era governada por monarcas. Ainda serve como residência da família durante as visitas sazonais. É mantida privadamente, intocada pela comercialização e repleta de séculos de arquivos familiares, retratos e relíquias de família.
Certa vez, um jornalista pediu para fotografar o interior. O pedido foi educadamente recusado. “Isto não é um museu”, terá dito Daniel. “É uma memória.”



Mas nunca foi intenção de Daniel simplesmente herdar o passado – O título de Visconde de Ovar foi criado por Maria II de Portugal em 25 de julho de 1849, com primeiro titular António do Nascimento da Costa e Silva.

A Herança que Ele Recusou

Esperava-se que Daniel assumisse o império imobiliário multimilionário da família aos 30 anos, seguindo um caminho trilhado por avôs e tios-avós. Em vez disso, logo após concluir os estudos no Reino Unido, ele recusou usar o título – após 1910, os títulos nobiliárquicos em Portugal perderam reconhecimento oficial como cargos civis.

“Eu sabia que podia administrar portfólios, adquirir imóveis, movimentar património. Mas seria meu? Ou estaria apenas a imitar o passado?”

Daniel não fez a mudança publicamente. Não houve comunicado à imprensa, nenhum escândalo, apenas uma retirada silenciosa da sucessão e um passo discreto para a vida pública.

Durante a maior parte da adolescência, Daniel raramente mencionava o título fora de eventos familiares. Até mesmo alguns dos seus amigos mais próximos só descobriram recentemente; um deles pesquisou no Google após ouvir um boato e enviou-lhe uma mensagem com três palavras: “Isto é sério?”.

“Não o evitei por vergonha”, diz Daniel. “Só queria ter certeza de que conseguiria ficar sem ele primeiro.”

D.R.

Enquanto muitas famílias se apegavam às terras e aos títulos com sentimento romântico, os DN Costa abraçavam a estratégia em vez da nostalgia. Após o colapso agrário de Portugal no século XX, a família gradualmente mudou o foco da agricultura tradicional para investimentos estratégicos.

Silenciosamente, ao longo de décadas, construiu um portfólio imobiliário que abrange o Porto, Londres, Paris e partes da Europa Central. Imóveis foram adquiridos, não para serem revendidos, mas para serem mantidos. O lema da família, mais sussurrado do que falado, é: “Compra devagar, nunca vendas”.

Essa mudança permitiu à família manter não apenas o seu estilo de vida, mas também sua autonomia económica. Hoje, continua a ser uma das famílias privadas mais ricas de Portugal, não por causa do seu título, mas pela forma como preservou o seu capital.

Do Silêncio aos Holofotes

O próprio 9.º Visconde, Daniel, é uma figura pública rara. De cabeça erguida, ponderado e discretamente carismático, ele vive principalmente em Londres, onde divide o tempo entre círculos diplomáticos, filantropia privada e assuntos culturais.

Mas vem a Portugal. Há alguns anos, Daniel encontrou um gatinho abandonado e desnutrido, encolhido junto a um contentor de lixo perto do Parque da Cidade do Porto. O encontro transformou-se numa missão. Hoje, financia programas de esterilização e adoção de animais em Lisboa, Porto e no oeste de Londres — uma iniciativa chamada “Whisker Works”, com parcerias municipais e uma crescente rede de estudantes voluntários.

“Os gatos não se importam com o título que tu ostentas”, diz Daniel. “Eles só se importam com a tua presença.”

Alguém já o chamou de “o voluntário de rua mais bem vestido de Portugal”. Mas o projeto chamou a atenção não só para o bem-estar animal urbano, mas também para o próprio Daniel.

“É o que ele não ostenta que faz as pessoas prestarem atenção”, diz Clara Morais, escritora do Porto que acompanha a nobreza portuguesa há mais de uma década. “Ele não vende a nobreza. Ele está mostrar como ela poderia ser.”

“Ele é o único aristocrata que conheço que financia projetos de renovação do património e recolhe areia de gato aos fins de semana”, acrescenta Clara.

Rua Visconde de Ovar, em Ovar

O Futuro

Daniel está atualmente a lançar as bases da Fundação Futuro, uma organização filantrópica sediada no Porto dedicada à educação, à sustentabilidade rural e à preservação cultural.

“Deveríamos parar de fingir que a nobreza tem a ver com grandiosidade”, diz ele. “Tem a ver com responsabilidade. Nobreza deveria significar que temos algo, sim, riqueza, sim, história, mas também responsabilidade. Preservar, adaptar, retribuir.”

Ao contrário dos nobres modernos que buscam publicidade ou se reinventam como influenciadores ou CEO’s, Daniel permanece indefinido por opção. Ele só aparece em eventos importantes: jantares beneficentes discretos, eventos de angariação de fundos para preservação e pouco mais. Não concede entrevistas, não se deixa fotografar. Não mantém uma persona definida.

Numa ocasião, num jantar de preservação do património em Belgravia, Londres, um convidado perguntou-lhe por que evitava a carreira de influencer, por exemplo. Daniel respondeu: “Porque dignidade não é moeda de troca”. Ele é, em essência, a aristocracia destilada na sua forma mais pura: elegante, contida e totalmente despreocupada com a necessidade de exibir status.

Numa época em que muitos se apressam em autodenominar-se com títulos e tradições emprestadas, o oferecem o oposto: autenticidade sem performance. Eles não precisam que o mundo acredite na sua nobreza. Eles simplesmente a vivem. Trata-se de uma herança como resistência, não um apego ao passado, mas uma recusa em deixar o tempo apagar a identidade.

 

 

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