Vaca-loura portuguesa, procura-se
Viu alguma vaca-loura? Não, não dá leite nem come erva. É, isso sim, o nome pelo qual é conhecido o maior escaravelho da Europa e que em Portugal é uma espécie cada vez mais ameaçada. Onde vivem estes insectos essenciais à saúde das florestas? Quantos são? Poderão ser salvos da extinção? Com o objectivo de conhecer melhor as populações nacionais ainda existentes e implementar medidas de conservação, a Universidade de Aveiro (UA) juntou-se à Sociedade Portuguesa de Entomologia e ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas para criar a Rede Nacional de Monitorização da Vaca-loura, um projecto que precisa da ajuda da população. Por isso, se vir uma vaca-loura não deixe de a fotografar e de avisar os cientistas.
“A monitorização das vacas-louras [também conhecidas como cabras-louras] é uma vontade antiga das várias entidades envolvidas, bem como uma necessidade urgente para que se possa conhecer melhor as populações e se poderem desenhar as medidas de conservação com base em informações actuais e credíveis”, aponta Milene Matos, bióloga da UA, que, através do projecto BIO Somos Todos, é uma das coordenadoras da Rede. À frente da missão, que quer ver o país de olhos no chão e nas árvores à procura destes escaravelhos, estão ainda envolvidas a Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia da UA, a Sociedade Portuguesa de Entomologia, o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, e a Naturdata – Plataforma de biodiversidade portuguesa.
Assim, os cientistas pedem a todos quantos avistarem uma vaca-loura que a fotografem – basta um simples clique com a máquina fotográfica do telemóvel – e que lhes enviem não só a foto como também alguns dados referentes à localização e ao dia e hora do avistamento. E a ajuda pode ir ainda mais longe. “Se conhece alguma área onde seja habitual observar uma vaca-loura no verão, adopte um percurso de 500 metros e percorra-o semanalmente entre junho e julho. Registe as vacas-louras observadas através do site da Rede, onde os observadores se podem inscrever e obter toda a informação necessária, e já está”, apelam os cientistas.
“As iniciativas de ciência-cidadã têm ganho cada vez mais relevância em projetos de conservação da natureza”, congratula-se Milene Matos. “A possibilidade de mobilização de cidadãos-cientistas numa larga escala e a relativamente fácil obtenção de dados são vantagens inegáveis, principalmente quando os recursos financeiros para a ciência e para os projetos de conservação a longo termo se veem cada vez mais depauperados”, diz. Além disso, “o contacto direto com a natureza e, neste caso, as espécies e os seus habitats, permitem um envolvimento dos cidadãos, um sentimento de pertença e uma construção de consciência ambiental verdadeiramente efetivos”.
O maior escaravelho da Europa
O tamanho desmesurado – os machos podem atingir 8 centímetros de comprimento, as proeminentes mandíbulas que usam para defender o território, a coloração castanha avermelhada e um acentuado dimorfismo sexual- a cabeça e as mandíbulas do macho são muito maiores que as da fêmea – tornam as vacas-louras inconfundíveis.
Outrora comuns, é cada vez mais difícil de observar uma vaca-loura, um inseto que se alimenta de madeira de árvores de folha caduca, como os carvalhos e os castanheiros, já morta e em decomposição. A degradação da madeira morta é crucial para manter a saúde das florestas, ao permitir a formação de manta morta, a consequente regeneração florestal e a ocorrência de comunidades de outros insetos e fungos, que por sua vez constituem a base de uma série de cadeias alimentares.
A vaca-loura, assim como outros escaravelhos decompositores de madeira, presta assim um serviço ecológico de elevada importância. A industrialização da floresta Portuguesa restringiu as áreas de floresta caducifólia a manchas cada vez menores e mais fragmentadas, tendo estes insetos perdido muito do seu habitat.
É, por isso, urgente adoptar medidas de conservação para estas comunidades, mas para tal, apontam os biólogos, “é preciso conhecer com mais detalhe a sua área de distribuição e abundância”. Perante a escassez destes dados, a Rede Portuguesa para a Monitorização da Vaca-Loura quer envolver voluntários num projecto de ciência-cidadã que permita monitorizar a vaca-loura e finalmente conhecer com mais detalhe os seus locais de ocorrência em Portugal. A mesma metodologia será aplicada em vários países da Europa, estabelecendo-se uma rede Europeia que permita posteriormente analisar as medidas de conservação mais adequadas para a espécie.