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O imponente Casarão ‘vareiro’ que se ergue junto ao Rio Amazonas, no Brasil

Palácio pertence aos herdeiro de Óscar Ramos, natural de Ovar

Impressiona pela sua grandeza. Erguido sobre o Rio Amazonas, no troço Parintins-Manaus, quem aqui passa surpreende-se com a arquitetura destoante do casarão centenário edificado na orla de Itacoatiara, junto do porto.

É difícil, entretanto, encontrar alguém por perto que conheça a sua história, a qual se confunde com a do comércio entre a Amazónia e a Europa, a partir do final do século XIX e a segunda década do século XX.

O prédio ficou pronto em 1903, 26 anos após o marco histórico inicial do período pujante da economia da borracha em 1877, que vem até 1920.

A companhia alemã Kani Pollack foi quem o construiu para abrigar uma loja de produtos e equipamentos de agropecuária.

Os alemães faliram em 1915 e venderam o palacete a Óscar Maria de Oliveira Carneiro Ramos, natural de Ovar, especialista de renome no negócio das pedras preciosas.

Antes de vir para o Amazonas, o vareiro estivera em Belém, onde desempenhou a sua função de especialista em reconhecimento de pedras preciosas para importadores europeus e exportadores do antigo Grão-Pará.

Óscar grangeou dinheiro e prestígio na região. Era casado com Ida Brazão Antunes, uma das filhas do casal José Joaquim e Catharina Brazão Antunes – ele vice-cônsul de Portugal em Itacoatiara –, e teve nove filho(a)s:
1.⁠ ⁠Ida Antunes Ramos (1910-1987)
2.⁠ ⁠Oscar Antunes Ramos (1911-1968)
3.⁠ ⁠Elza Antunes Ramos (1914-1997)
4.⁠ ⁠Ilídio Lisboa Antunes Ramos (1915-1988)
5.⁠ ⁠Luso Antunes Ramos (1920- 1938)
6.⁠ ⁠Antonio Antunes Ramos (1923-1993),
7.⁠ ⁠José Manuel Antunes Ramos (1924-1991)
8.⁠ ⁠Maria Amélia Antunes Ramos
9.⁠ ⁠Armindo (Bob) Antunes Ramos.

Até hoje, o prédio pertence à família Ramos, constituída pelos netos de Óscar Ramos e Ida e seus descendentes. Os netos são Óscar Ramos (filho de Antunes Ramos), artista gráfico e visual, roteirista de cinema e teatrólogo; Antônio Francisco Ausier Ramos (filho de Antonio Antunes Ramos, produtor cultural); Maria Amélia Ramos, enfermeira; e Manuela Ramos (filhas de José Manuel Antunes Ramos).

Valor Patrimonial
O escritor Francisco Gomes, membro da Academia Amazonense de Letras (ALL), autor da cronografia de Itacoatiara (vol.1 e vol.2), entende que o Casarão dos Ramos está para Itacoatiara assim como está o Teatro Amazonas para Manaus em importância arquitetónica e histórica.

“Lembro que por volta de 1965 ainda se via o sumptuoso Teatro Amazonas quando o motor de linha passava pela beira-rio do bairro de Educandos. Hoje não o avistamos mais, em razão dos prédios altos que o envolvem”, comenta Gomes.

Trecho da cronografia de Francisco Gomes
“O prédio onde funcionou a Casa Óscar Ramos, localizada rua Quintino Bocayuva, pertenceu à Companhia Agropastoril, ramo da empresa alemã Kani Pollack.

Óscar trabalhou largo tempo com os germânicos, comprando diamantes e revendendo para a tal firma, sediada em Manaus.

Com a falência da Agropastoril, os alemães venderam o Casarão a Óscar Ramos. Antes disso, a firma de Óscar já diversificava no negocio: importava diretamente de Paris roupas femininas, calçados, perfumes, que vinham para Itacoatiara através dos navios da Booth Line e da Lamport Coot Line.

A firma do ovarense Óscar Ramos chegou a ser o principal estabelecimento exportador de cacau do Amazonas. Já por volta de 1940, além de cacau e castanha, exportava também peles silvestres secas e sorva.

A firma estava inscrita com o nome social inicial de Oscar Ramos, depois passou a ser Oscar Ramos & Cia. (sócios: Ilídio e Oscar Filho – o pai já tinha falecido).

Com o falecimento de Oscar Filho, passou a “Ilídio Ramos” e, finalmente Ilídio Ramos, Irmãos (sócios: Ilídio, Antônio e José Manuel Ramos).

Oriundo de família humilde de Ovar, provavelmente da pesca, Óscar Ramos foi para o Brasil muito jovem em busca de melhores condições de vida e não tinha estudos, porém, adoptara desde cedo o hábito pela leitura, daí ser lembrado por exibir uma cultura acima da média.

Os seus clássicos portugueses foram guardados carinhosamente por Ilídio Ramos. Muito viajado, o velho português, além de visitar com assiduidade a sua terra natal, viajou muita vezes até Inglaterra, França e Alemanha, mas especialmente à Inglaterra”.

A Herdeira
O historiador Frank Chaves atesta que o casarão pertence à herdeira Ricardina Rodrigues, viúva de Tadeu Ramos, neto de Óscar Ramos, falecido em 2022.

“Este prédio é a nossa joia da arquitetura do período áureo da borracha, época em que o porto de Itacoatiara figurou na infraestrutura da exportação da borracha e demais produtos primários da região”, disse Frank.

O historiador explica que o casarão faz parte da paisagem histórica da área portuária da cidade e, por isso, merece atenção do poder público para que seja preservado para as futuras gerações.

“A sua arquitetura eclética tem traços de vários estilos, destacando-se o desenho da fachada no estilo enxaimel alemão, moldado em baixo relevo por entre os vários janelões e portas que circunda a elegante edificação”, escreve Frank. A riqueza de detalhes no Prédio Óscar Ramos vai além de sua fachada imponente. O soalho, obra-prima do mestre português Aroldo, confeccionado em pinho de riga importado de Portugal, testemunha o cuidado artesanal visível no edifício.

Os atuais moradores
Adriane Rodrigues é quem reside atualmente no prédio, com a mãe, Ricardina, um irmão e uma filha. Na parte da frente funciona um gabinete de artes gráficas e visuais, de Ramos Neto.

“Queremos arrendar o Casarão para o Governo ou para Prefeitura, porque ele é muito grande para a gente mantê-lo. Ainda está com a sua estrutura preservada, porém, necessitada de manutenção especializada, como na parte de cima”, explicou Ricardina.

Até 2016, a família Ramos reunia-se no Casarão por ocasião das festas natalinas e o enfeitava com luzes e motivos da época. Por questão de segurança, a festa deixou de ser realizada porque recebia muita gente.

Ela conta que o prédio é visitado por turistas e historiadores que ressaltam a sua importância para a história de Itacoatiara, do Amazonas e da Amazónia. Segundo Adriane, um dos visitantes assegurou-lhe que todo o material utilizado na construção do casarão tem um valor inestimável, desde a madeira aos pregos.

Livro paradidático
O casarão dos Ramos é destacado no livro “Descobrindo o Património Cultural de Itacoatiara”, do escritor e sociólogo Eder Gama.

Eder fez um roteiro afetivo do casario antigo e dos logradouros públicos que contam a história antiga da cidade de Itacoatiara, que conquistou esse status em 1874.

Ele menciona que o antigo casarão “vareiro” já serviu de loja, hospedaria, armazém do entreposto de materiais, equipamentos e alimentos para a frustrada construção da ferrovia Madeira-Mamoré, entre os anos de 1871-1912.

O porto de Itacoatiara está a poucos quilómetros da boca do rio Madeira, que seria a extensão do modal ferroviário, por onde escoaria a borracha colhida nos seringais do Acre e Bolívia.

A história e bastidores do fracasso da construção da Madeira-Mamoré é tema do romance Mad Maria (Valer), de Márcio Souza, adaptado para minissérie, pela Globo, em 2005.

Ler nas Escolas
O livro de Gama é destinado, principalmente, ao público infantojuvenil. É um guia do património cultural e imaterial de Itacoatiara, pronto para ser aplicado nas escolas.

De escrita fácil e cativante, com Éder a conduzir os seus leitores aos lugares históricos e imaginários da cidade, onde encontramos uma família criada por um vareiro que fez história na Amazónia.

 

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