Gripe nas crianças: porque é que a vacina passou a ser gratuita nos primeiros dois anos de vida?
Por Dr. Eurico Silva - USF João Semana de Ovar

Este é o primeiro outono-inverno em que o SNS oferece a vacina contra a gripe a todas as crianças dos 6 aos 23 meses. A recomendação de vacinar crianças já existia — agora ficou mais clara e sem barreiras econômicas.
A partir desta época gripal, todas as crianças dos 6 aos 23 meses podem ser vacinadas contra a gripe de forma gratuita no SNS. Ao mesmo tempo, a Direção-Geral da Saúde (DGS) recomenda a vacinação de todas as crianças dos 6 meses aos 5 anos.
Para muitos pais, isto levanta uma dúvida imediata:
se a vacina só agora é gratuita, será que antes não era assim tão importante?
Na verdade, a recomendação de vacinar crianças já existia, sobretudo nas que tinham doenças crónicas ou viviam com familiares de risco. O que mudou agora foi o reconhecimento oficial de que a gripe é um problema relevante também em crianças saudáveis e o consequente alargamento da proteção a todo o grupo dos mais pequenos, começando pela gratuitidade nos primeiros dois anos de vida.
A gripe nas crianças é muitas vezes “invisível”
Quando se fala em gripe, a imagem habitual é a de um adulto com febre alta, dores no corpo e vários dias na cama. Nas crianças pequenas, a doença pode ser bastante diferente – e por isso subvalorizada:
- Pode surgir como “bronquiolite” ou “bronquite”, com tosse e pieira.
- Pode aparecer como otite ou pneumonia, sem que se faça teste para gripe.
- Em alguns casos predominam vómitos e diarreia, parecendo apenas uma “gastroenterite”.
Ou seja, muitas infeções que os pais identificam apenas como “uma virose” têm, na realidade, por trás um vírus da gripe.
Em menores de 5 anos, a gripe é uma causa importante de idas às urgências e de internamento hospitalar. Nos menores de 2 anos, o risco de doença grave e complicações respiratórias é comparável ao dos idosos – o grupo que tradicionalmente todos reconhecem como “de risco”.
O que se espera com a vacinação das crianças?
Ao tornar a vacina gratuita nos primeiros dois anos e ao recomendar a vacinação até aos 5 anos, a DGS pretende:
- Reduzir o número de crianças doentes por gripe, com menos febres prolongadas, menos episódios de dificuldade respiratória e menos complicações.
- Evitar internamentos por pneumonia, desidratação ou agravamento de doenças crónicas (como a asma).
- Diminuir o recurso às urgências em épocas de maior circulação de vírus respiratórios.
- Reduzir a utilização de antibióticos (muitas vezes iniciados perante complicações ou suspeita de infeção bacteriana sobreposta).
- Proteger os familiares de risco, porque as crianças pequenas são grandes transmissoras de infeções dentro de casa e na escola.
Em termos simples: vacinar as crianças é proteger a própria criança e, ao mesmo tempo, proteger a família e a comunidade.
“Se não vacinar, o que está em causa?”
A recusa vacinal neste grupo etário tem impacto real, mesmo quando falamos de crianças saudáveis:
- Mantém o risco de episódios de gripe com febre alta, mal-estar intenso e necessidade de vigilância médica.
- Aumenta a probabilidade de transmitir o vírus a avós, grávidas ou doentes crónicos que vivem na mesma casa.
- Contribui para sobrecarga das urgências pediátricas nas alturas de maior circulação do vírus.
Noutros países, que já acompanham há vários anos a vacinação infantil contra a gripe, verificou-se que quedas nas taxas de vacinação se associam a mais internamentos e, em casos extremos, mais mortes em idade pediátrica.
A recomendação não nasceu este ano
É fundamental esclarecer isto:
- A ideia de vacinar as crianças contra a gripe não é nova.
- A evidência científica sobre o impacto da gripe na infância foi-se acumulando nos últimos anos, incluindo com dados portugueses.
- Já existiam recomendações para vacinação, sobretudo em crianças com doenças crónicas ou em contacto com pessoas de risco.
O que acontece agora é que o Estado decide retirar a barreira económica nos primeiros dois anos de vida e clarificar que todas as crianças dos 6 meses aos 5 anos beneficiam da vacina, mesmo que sejam saudáveis.
Mitos e factos sobre a vacina da gripe nas crianças
Mito 1 – “As crianças não apanham gripe a sério, são só constipações.”
Fato: Em menores de 5 anos, a gripe é uma causa relevante de internamento. Nos menores de 2 anos, o risco de complicações graves é semelhante ao dos idosos.
Mito 2 – “A vacina da gripe dá gripe.”
Fato: As vacinas injetáveis contra a gripe são feitas com vírus inativados (não vivos). Não conseguem causar gripe. Podem dar febre baixa ou mal-estar transitório, que são sinais de resposta do sistema imunitário.
Mito 3 – “O meu filho é saudável, não precisa desta vacina.”
Fato: Muitos internamentos por gripe em idade pediátrica acontecem em crianças sem qualquer doença prévia. A nova orientação da DGS inclui todas as crianças dos 6 meses aos 5 anos precisamente por isso.
Mito 4 – “Mais vale ganhar defesas ‘naturais’ ao apanhar a gripe.”
Fato: As “defesas naturais” podem vir acompanhadas de pneumonia, desidratação, crises de asma ou internamento. A vacina permite que o sistema imunitário aprenda a reconhecer o vírus sem expor a criança a esses riscos.
Mito 5 – “É uma vacina nova, ainda pouco estudada.”
Fato: As vacinas da gripe são usadas em crianças há muitos anos noutros países. O que é novo em Portugal é o alargamento da recomendação e a gratuitidade nos primeiros dois anos, não a tecnologia da vacina.
Num contexto em que circulam muitas dúvidas e informação contraditória, a mensagem central é simples:
se o seu filho tem entre 6 e 23 meses, a vacina da gripe é gratuita no SNS; se tem entre 6 meses e 5 anos, a vacinação é recomendada.
Em caso de dúvida, o melhor passo é sempre falar com o médico de família ou pediatra, esclarecer riscos e benefícios e tomar uma decisão informada.
Eurico Silva – USF João Semana de Ovar





