Opinião

A Praça das Galinhas (I) – Por Edgar Branco

A cidade inteira desperta num frenesim constante, um vaivém que começa ao nascer do dia e se prolonga até
ao anoitecer. As pessoas juntam-se para tudo — um pequeno-almoço bem quentinho, um café antes e depois
do almoço, uma cerveja acompanhada de tremoços e amendoins, e, mais tarde, novos brindes que se estendem
até altas horas.

A vida não para, e a Praça das Galinhas é um dos lugares onde ela mais pulsa. Um largo escondido, mas
sempre cheio de movimento, cercado de edifícios antigos que parecem assistir, impassíveis, ao fluxo de gente
que por lá circula. O burburinho nunca cessa, mas mantém-se sempre dentro de um limite aceitável, uma
espécie de caos moderado, onde cada som tem o seu lugar.

Hoje, na praça, está o petiz Delfim, um rapaz de nove anos, sentado ao lado do pai, o Senhor Delfim. No Café
Chico, debaixo da sombra de um toldo gasto, esperam pela chegada do tio Artur e do seu filho, Arturzinho, que
tem oito anos.

Assim que os avistam, a alegria instala-se. O largo é amplo e generoso, com espaço suficiente para as correrias
e brincadeiras dos miúdos. Não há receio de carros ou de perigos ocultos — ali, a infância é livre para se gastar
entre saltos, risadas e histórias inventadas.
Ide lá brincar! — ordena o pai Delfim, acenando com a mão.
Sim, sim, desamparem a loja! — reforça o tio Artur, soltando uma risada.
Os adultos ficam para trás, mergulhados nas conversas aborrecidas sobre a vida — os preços que teimam em
subir, os empregos inseguros, as preocupações com o futuro. Para eles, a praça é um refúgio de rotina. Mas
para Delfim e Arturzinho, é um território de aventuras.
Com olhares traquinas, os dois abandonam os sumos na mesa e lançam-se à brincadeira. Correm daqui para
ali, saltam sobre os bancos de pedra, inventam desafios invisíveis. E, claro, respeitam a regra fundamental: não
incomodar os adultos. Esse era o pacto silencioso entre gerações.
De repente, Artur para, franzindo o sobrolho.

Ó Delfim, tenho uma pergunta! — diz, hesitante. — Sabes porque é que chamam a este sítio Praça das
Galinhas?
Delfim, um ano mais velho, sente o peso da sua autoridade. Esse ano de diferença traz-lhe um estatuto
inquestionável, e Artur olha para ele como um verdadeiro oráculo do saber.
Praça das Galinhas? Claro que sei! — responde, com ar superior.
Tens a certeza? — Artur torce o nariz. — O meu pai não soube responder…
Pois o meu pai sabe! Sabe tudo! — Delfim enche o peito de orgulho. — Queres que te conte a história?
— Quero! — Os olhos de Artur brilham de curiosidade.
Delfim inclina-se para a frente, estreitando os olhos.
Mas olha lá… depois não vais contar ao teu pai, nem te vais pôr a chorar, hein? Esta história não é para
meninos!

Artur engole em seco. Ele é mais frágil, mais inocente, e tem medo de tudo. Mas a curiosidade fala mais alto.
Ele não pode dar parte de fraco.
Achas?! Nada disso! — responde, limpando o nariz com a manga da camisola, num gesto desajeitado.
Então prepara-te! — Delfim ajeita-se no banco, assumindo o tom sério de quem transporta um segredo
ancestral. — Esta história é complicada e foi-me contada pelos adultos. Pelo meu pai, neste caso.
A tensão cresce. Artur inclina-se, sem pestanejar.

Há muitos, muitos anos… mesmo antes dos nossos pais nascerem… este lugar não era uma praça normal. Aqui aconteciam coisas que hoje ninguém quer lembrar. Aqui… havia lutas de galos.
O anzol está lançado. Artur já não consegue escapar. Ele precisa de ouvir até ao fim.
Delfim saboreia o momento, como um contador de histórias experiente, pronto para arrastar o primo para um
mundo onde realidade e lenda se misturam.
A verdadeira história da Praça das Galinhas está prestes a ser revelada.

(Continua)

Edgar Branco

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