À volta de uma exposição
Na Sala Hélène de Beauvoir da Biblioteca da Universidade de Aveiro foi inaugurada no passado dia 17 de novembro a exposição ‘Antoine Sibertin-Blanc, um mestre dos organistas portugueses’, que ficará patente ao público até ao dia 31 do próximo mês de janeiro. Porquê Antoine Sibertin-Blanc? Porquê em Aveiro? Porquê uma exposição?
1.- Antoine Sibertin-Blanc (Paris 1930 – Lisboa 2012) foi um dos grandes organistas do seu tempo. Radicado em Portugal no início de 1961 a convite de Júlia d’Almendra, lecionou no Centro de Estudos Gregorianos (reconvertido em 1976 no atual Instituto Gregoriano de Lisboa) e, mais tarde, na Escola Superior de Música de Lisboa). Inaugurado em 1965 o grande órgão da Sé Patriarcal, foi nomeado seu titular. Faleceu em 2012, após mais de 50 anos de intensa atividade pedagógica e concertística.
O seu nome ecoa ainda na larga maioria das localidades onde existe um órgão a funcionar. Na verdade, ele calcorreou todos esses caminhos, revelando a beleza das vozes do ‘rei dos instrumentos’, a beleza da nossa música e dos instrumentos onde ela soava pelas suas mãos de Mestre ‘verdadeiramente apaixonado pela sua arte’. Também os organizadores de grandes festivais de órgão em diversos países da Europa e Brasil recordam este embaixador da música portuguesa. O Professor permanece também na memória e no coração dos seus antigos alunos, sejam eles docentes, acompanhadores da liturgia, diretores de coro ou reputados concertistas. Ele está ainda na memória de colegas, músicos e amigos que, nos seus testemunhos, tão lapidarmente plasmaram a personalidade do Mestre.
2.- Sibertin-Blanc teve também uma ligação à cidade de Aveiro. Em 10 de Junho de 1999, aqui foi agraciado pelo Presidente Jorge Sampaio com a Comenda da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, e, no dia 1 de Novembro de 2003, inaugurou o restauro do órgão da igreja da Misericórdia, construído por Juan Fontanes de Maqueyra em 1759-60, e restaurado por Dinarte Machado entre 2000 e 2003.
Quanto à Universidade, fortes laços ligam ‘o Professor Sibertin’ a Aveiro. Desde logo, o Curso de Licenciatura em Música/Órgão foi criado e lecionado quase sempre por antigos alunos seus. Também deu diversos concertos e master classes no Departamento de Comunicação e Arte, onde também acompanhou repetidas vezes concertos por alunos seus da Escola Superior de Música de Lisboa, no âmbito do ciclo Jovens Organistas,promovido pela AMPO – Associação Musical Pro Organo, com o apoio do DeCA.
Dois anos após o seu falecimento, foi formalizada no dia 15 de dezembro de 2014 a doação do seu espólio à Universidade de Aveiro, constituído por um conjunto de partituras, textos, correspondência, elementos relativos a concertos e documentação diversa, perfazendo um total de cerca de 3.000 espécimes com datas compreendidas entre 1956 e 2012.
Dele fazem parte, antes de mais, as suas obras originais para órgão, orquestra, coro e agrupamentos de música de câmara, bem como algumas harmonizações corais e diversas transcrições para um ou dois órgãos e para órgão e um instrumento solista. Aqui se incluem a Suite Portugaise para órgão, as duas missas (Missa simplex em estilo arcaico para coro a capella e Missa sobre Sonatas [de Carlos Seixas] para solistas, coro e orquestra) e as sonatas deste compositor transcritas para flauta e órgão, editadas em CD.
O Fundo integra também um conjunto de textos didáticos para apoio dos alunos, pareceres sobre a reforma do ensino vocacional da música (década de 1980) e relatórios sobre a recuperação e preservação do património organístico português. Finalmente, fazem parte deste Fundo um conjunto de documentos biográficos, um lote de correspondência, relativa às diferentes facetas da sua atividade profissional, e um elevado número de programas de concertos, cartazes e referências da imprensa.
3.- Sibertin-Blanc é uma figura incontornável no nosso panorama musical da segunda metade do séc. XX. Em mais de 50 anos de laboriosa dedicação à sua profissão, o pedagogo e intérprete, e também o improvisador e compositor, tinha que deixar marcas indeléveis na cultura organística em Portugal. Umas são visíveis nas mudanças operadas, graças à vinda para Lisboa deste organista excecional, num contexto não menos excecional: a aposta de Júlia d’Almendra na formação de organistas e um determinante investimento da Fundação Gulbenkian na promoção da vida organística entre nós, com destaque para a construção do grande órgão da Sé Patriarcal – verdadeira estrela durante décadas – cuja titularidade foi confiada a Sibertin-Blanc.
Mas outras marcas há, que têm que ser procuradas por entre partituras e gravações, programas de concertos, correspondência, textos didáticos, notas, apontamentos e papéis diversos que nos deixou, atualmente à guarda dos Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia da Universidade de Aveiro (SBIDM-UA). Quem foi esse homem e o que o fez rumar a Portugal? Qual a filosofia da sua ação pedagógica e qual a chave do seu sucesso? Que ideias moveram a sua carreira de intérprete? Que opções e critérios moldaram as obras que escreveu ou transcreveu? O que era o projeto (inacabado) ‘L’Ange de Saint-Maur’? Qual o papel desta personalidade na nossa cultura?
Com exceção de notas de programa e de um parco número de artigos, o Professor pouco publicou. Mas para estas e outras questões haverá certamente respostas nas veredas da investigação. Em boa hora os SBIDM-UA decidiram patentear esta exposição/homenagem, não somente para perpetuar a memória de um Mestre dos organistas portugueses e do seu legado, mas também para que os documentos que nos deixou se não eternizem no silêncio dos arquivos e, ao contrário, sirvam de estímulo a um estudo e investigação que os transforme em fonte de conhecimento.
Domingos Peixoto




