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De Ovar para a Feira, pais infectados acarinham de máscara bebé de meses

Um funcionário municipal de Ovar infectado com covid-19 está a recuperar isolado em casa, em Santa Maria da Feira, vivendo de máscara com a esposa, também contaminada, para proteger o filho bebé ainda por vacinar devido à pandemia.

Paulo Correia Silva tem 30 anos, é técnico superior de Ciências do Mar na Câmara de Ovar e soa enérgico ao telefone, no tom de quem se sente bem de saúde e está ansioso por um passeio ao ar fresco. Catarina Pinho tem 29, trabalha no laboratório do IPO do Porto e também consegue rir-se ao dizer que o marido “é que tem culpa” por ambos viverem agora com o novo vírus.

O pânico inicial já lhes passou, mas, mesmo sabendo que as probabilidades de contágio eram enormes face à contaminação da chefe do Paulo, os dois jovens ficaram surpreendidos com o diagnóstico, numa altura em que Portugal ainda só registava uns 200 casos de covid-19.

“Olha que boa! Nós com o bebé de dois meses e meio para tratar e calha-nos isto?”, exclamava ele. “Onze milhões de pessoas em Portugal e tínhamos que ficar nós doentes com o Manel tão pequenino?”, reforçava ela.

O certo é que foi devido ao bebé que o casal se começou a precaver desde muito cedo, “mesmo que isso não tenha adiantado de nada”. Por um lado, quando o menino nasceu, “ainda mal se falava da covid” e já os pais compravam máscaras e desinfetantes para protegerem a criança nas suas primeiras semanas de vida. Por outro lado, a 12 de março o bebé ficou doente e, embora se tratasse apenas de uma infecção vírica, isso já obrigou o pai a ficar em casa, antecipando assim em 24 horas a ordem da Câmara de Ovar de encerrar os seus serviços presenciais.

Paulo e Catarina já tinham deixado de receber visitas em casa e seguiam todas as cautelas de distanciamento social, higiene das mãos e mudança de roupa à entrada do apartamento, mas ficaram de sobreaviso. “Eu já andava meio constipado, no dia 15 começa ela a sentir suores frios e então no dia 20 chega a notícia de que a minha chefe estava doente”, conta ele.

À quarta chamada para a linha Saúde 24 expuseram todas circunstâncias dos últimos dias e foi-lhes dito que deviam fazer o teste imediatamente. “Mas só nós, os adultos, porque para o menino o exame era muito invasivo e achavam melhor evitá-lo enquanto não houvesse sintomas”, diz o pai.

Catarina ficou a cumprir os horários de amamentação enquanto Paulo foi fazer o exame ao Espaço Grijó, em Vila Nova de Gaia; depois veio ele vigiar o filho e foi ela, sozinha, ao rastreio. Seguiram-se 48 horas de isolamento total, e, quando já pensavam que estariam a salvo, ao terceiro dia chega a mensagem atrasada a confirmar a má noticia: “Detetado o SARS-CoV-2”.

Paulo tenta explicar o stress mental que experimentou na altura: “Havia 80% de probabilidades de aquilo acontecer e, comigo a trabalhar no meio de Ovar, em reuniões com a minha chefe e entre colegas com tosse, eu já estava mentalizado. Mas tinha a esperança de que a Catarina não estivesse infectada, porque é ela que amamenta o bebé, e só pensava em como é que havia de lhe dar a notícia”.

Sem grande drama, o que acabou por prevalecer foram as dúvidas e, “sempre muito assustados com o Manel”, os pais do menino passaram as horas seguintes a listar as 40 pessoas com quem tinham contactado nos 15 dias anteriores. Telefonaram a avisá-las do potencial contágio, acalmaram-lhes “o pânico” e ainda combinaram estratagemas para garantir que o tio Ramiro vigiava a condição física da avó e da tia do Paulo, mas sem lhes contar que o casal estava infectado, “para evitar alarmá-las e angustiá-las quando já têm alguma idade e os seus próprios problemas físicos”.

Começaram então a chegar as instruções das autoridades de saúde. “Puseram-nos só a Ben-u-ron e foram todos superatenciosos. Ligou-nos a delegada de saúde da Feira, o centro de saúde de São João da Madeira, onde vivíamos antes, e até a PSP cá veio, continuando a perguntar de tempos a tempos se precisamos de alguma coisa”, diz Paulo.

Nessa equipa de apoio inclui-se um pediatra que vem ajudando o casal a gerir a vigilância do bebé, que, devido ao isolamento profilático dos pais, tem atrasada a toma de vacinas que são determinantes aos dois meses de idade, como é o caso da do tétano, difteria, tosse convulsa e “Haemophilus influenzae”, que atua ao nível da meningite, pneumonia e epiglotite.

Entretanto, Catarina perdeu o paladar e o olfacto e receava que fosse irreversível. “É uma coisa muito estranha. Eu tinha desejos de chocolate, comia-o e não sentia sabor nenhum. Mesmo a laranja, que costuma ser tão intensa, não sabia a nada. Até a Coca-cola ficou um desconsolo. Mas, ok, assim também não reclamei da sopa do Paulo, que tem sido ele a fazê-la e eu acho que fica sempre muito salgada”, conta ela, seguindo a pista do marido, que recordou o episódio.

Aromas e sabores recuperaram-se; sintomas já não sentem nenhuns. “Estamos bem e nunca sentimos nada que nos alarmasse muito, mas o mais complicado é este medo de que possa acontecer alguma coisa enquanto o Manel está sem as vacinas”, explica Catarina, enquanto amamenta o filho. Está de máscara, o marido também e é assim que ambos circulam pela casa quando estão com o bebé, seja para o alimentar, vestir, dar banho ou só mimar.

“É horrível andar com isto o dia inteiro, parece que estamos a asfixiar”, desabafa Paulo. “Mas o Manel até acha piada a ver-nos com esta mancha branca na cara. Deve achar que é o Carnaval”, contrapõe Catarina.

Durante a convalescença, o técnico de ambiente continua a trabalhar a partir de casa e foi à distância que assegurou tarefas como a instalação de sanitários no hospital de campanha da Pousada da Juventude de Ovar e os processos de candidatura de Esmoriz, Cortegaça e Furadouro ao estatuto de praias acessíveis.

“Fartinhos de estar fechados” sentem-se ambos. Ela ainda encara com algum conforto o facto de partilhar a licença de maternidade com o pai do Manuel, que, se não fosse pelo novo coronavírus, não estaria “a seguir de tão perto estes primeiros meses do menino”, mas ele sente-se “preso, sufocado” e, considerando que as compras de mercearia têm sido feitas pelo cunhado, até de não poder ir despejar o lixo à rua sente falta.

“Não queremos andar nas áreas comuns do prédio, porque há muitos bebés pequeninos na família dos nossos vizinhos e assim é mais seguro”, diz Paulo, mais sério.

Os ocupantes do prédio agradecem e retribuem: o Bruno Santos recolhe o lixo dos doentes do lado de fora do apartamento e leva-o para o contentor; o Nuno Duro verifica se a família isolada precisa de compras de farmácia; a Cristiana Rocha põe os três filhos em videoconferência para conversar com os infectados; e ao domingo, lá pelas 14:00, todos os que podem saem para a varanda ou para a janela, para partilhar visualmente “o cafezinho que cada um faz na sua casa”.

Catarina diz que uma coisa boa da pandemia é desvendar o melhor lado das pessoas e fazer ver que “não se pode controlar tudo”. Paulo concorda, mas anda com um certo remorso por mentir à avó nas videochamadas. “Ela diz: ’tás muito pálido, rapaz. Não andas a beber vinho?’ e eu não sei onde me meter. Não lhe posso dizer que estou fechado há semanas para ela não perceber porquê e fico sem jeito para inventar desculpas”, confessa.

Texto: Alexandra Couto / Lusa via Notícias ao Minuto

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