Opinião

O raio do Ral conseguiu – Ricardo Alves Lopes

Escrevia e escrevia sem parar, mas, de repente, o trabalho tem me roubado tempo para me dedicar a um dos grandes prazeres que acalento. Estou mais vagaroso a principiar o ritual de pensamento, o movimento dos dedos a caminho do teclado. Receio que a minha escrita se ressinta, não evoluindo, parando no tempo.

Quando me refiro ao trabalho, à escrita, tenho muito receio de que o meu tempo pare, não ande, porém, quando se trata da minha vida, fico, por vezes, melancólico, triste com o mover do tempo para diante. Felizmente, gosto do que faço, sempre fui gozando o que a vida me deu, aproveitando as fases dela, mesmo que com erros à mistura. A saudade não é do que vivi, é do que não posso reviver. Os tempos mudaram e Ovar sente.

Hoje, decidi dedicar este meu espacinho, humilde, a falar dos que cá não estão. Não me refiro a partidas definitivas, como a da Ana – que não conhecia pessoalmente mas que aprendi a admirar pela sua arte – a quem deixo uma singela palavra de honra ao que foi a sua vida e a dos com quem a partilhou. Refiro-me, sim, aos nossos emigrantes. Somos um concelho de dimensão considerável, mas fortemente atacado na base, como todo o país. De repente, a crise amarfanhou as esperanças do jovens, encurralou os de meia idade  e desacreditou os mais velhos.

A solução, com maior incidência nos jovens, foi a partida para além fronteiras. Foram. Não sabem se voltam algum dia, mas foram.
Estive este fim-de-semana com dois amigos desses, ao escrever este texto, a uma segunda-feira à noite, sei de outro que chegará daqui a umas horas para passar uns dias, no próximo fim-de-semana chega outro, durante a próxima semana outro. Estão cá sempre, pensam vocês. E não é verdade.

As pessoas de quem gostamos, amigos de uma vida e para um vida, podem vir uma vez por mês (que não vêm), que é sempre pouco. O Skype resulta, o Facebook ajuda, mas as memórias e amizade moem. Sei que eles, ao nível do que ambicionamos para nós, financeira e profissionalmente, estão melhor, estão a realizar-se. Fico feliz por eles, ciente de que ainda não chegou o meu momento de partir.
A comodidade de nunca ter estado desempregado ou em situação precária, dá-me esse conforto. Ele não chega para abundar a conta bancária, é curto, mas deixa-me a certeza que por aqui me vou mantendo, alimentando sonhos que fui deixando adormecidos e, de repente, quero trazer de volta. Não vou mudar o país, desculpem. Nisso, sou um tanto egoísta. Quero mudar o meu mundo, isso sim, mas com a certeza que, mudando o meu, poderei mudar o dos que me rodeiam.

As energias positivas são tão fortes quanto as negativas. Nós é que olhamos menos para elas.
Lembro-me dos tempos de universidade, dos jantares partilhados entre vários cursos, das visitas a várias universidades, queimas e recepções, sempre com amigos de cá, de Ovar, junto aos de fora, aos da universidade. Não precisei de diminuir os amigos que cá tinha, só alarguei o grupo. O cordão umbilical, esse, sempre cá esteve. Junto dos meus.

Hoje, muitos deles estão fora. Sei a satisfação que é estarem lá fora, o reconfortante que é serem reconhecidos pelo que fazem, e bem, que eu conheço-vos, mas também não consigo deixar de pensar que, por cá, um dia conseguirei. Estive parado algum tempo, a marinar sonhos num cozinhado sem lume, porém isso mudará. Talvez ainda não tenha a chama que por aí vocês encontram, amigos, mas quero que um dia se orgulhem de mim.

“O raio do Ral conseguiu”. Pois hei-de conseguir, mas sem vocês não conseguiria. Estando perto ou longe, hoje é para vocês, amigos. Não vos esqueço.

Ricardo Alves Lopes (Ral)
http://tempestadideias.wordpress.com
[email protected]

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