Procissão não desce ao areal mas a esperança não morre
Nas várias Festas do Mar do litoral vareiro (ou ovarense), o ponto alto é, indiscutivelmente, a realização das imponentes procissões com Bênção ao Mar, em que se destacam os andores com as imagens religiosas dos Santos da devoção de cada uma das comunidades piscatórias.
Ontem, foi a vez do Furadouro encher-se de gente que ruma ao litoral para assistir a uma manifestação religiosa que emociona pela sua solenidade mas já não tem condições para descer ao areal há vários anos.
Assim, vão-se adaptando as tradições seculares, de homenagem à religiosidade dos pescadores e aos dramas por eles enfrentados no mar, com naufrágios como o que, no Furadouro, em maio de 2013, tirou a vida a dois pescadores.
“Povo de gente do mar, cuja vida se joga todos os dias e se perde mais rapidamente que um credo (…) O mar, também em troca do pão que assegura a quem penosamente lhe rasga as entranhas, é, em grande parte, o responsável pelo sombrio da nossa alma, sempre inquieta, a interrogar o dia até amanhã”, deixou escrito o historiador Zagalo dos Santos.
Tal como vem acontecendo já há muitos anos em Cortegaça, ao Furadouro resta igualmente uma entrada simbólica no areal para cumprir a tradição, uma vez que a nova realidade da praia impede o acesso da procissão à estreita língua de areia agora suportada por uma muralha de pedra que “separa” o mar da Marginal.
Os andores apresentaram-se lindíssimos como sempre e, carregados aos ombros por mulheres e homens do mar, percorreram um trajecto em terra firme, num cortejo abrilhantado pela Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Ovar e pela Banda Boa União.
Resta a esperança de um dia a procissão poder voltar a percorrer o areal, junto ao mar, com os seus integrantes descalços, molhando os pés. Há pouco mais de um mês, no último dia do município de Ovar, o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador malheiro, pediu: “Acreditem nos Quebra Mares destacados no Furadouro tal como acreditaram na requalificação do monumento à arte xávega”.
O Programa Litoral XXI prevê a construção de três quebra-mares destacados, paralelos à costa, no Furadouro, cuja envolvente será saturada com cerca de 1,5 milhões de metros cúbicos de areia. Quem sabe se depois desta intervenção a procissão volta ao areal?