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Um aparato que “nem nas fronteiras se vê” (Lusa)

Concelho cercado por 70 postos

O município de Ovar, onde terça-feira foi declarado o estado de calamidade pública e imposta quarentena geográfica, tem já cerca de 70 postos fronteiriços onde cidadãos e agentes policiais se estão a adaptar ao controlo de entradas e saídas.

Ovar tem 55.000 habitantes dispersos por uma área de 148 quilómetros quadrados, e tem hoje 40 postos controlados por cerca de 90 agentes da PSP e GNR, e ainda 30 entradas obstruídas apenas por barreiras físicas.

A situação chegou a este ponto, sobretudo porque no dia 13 foram diagnosticadas sete pessoas com Covid-19 só numa unidade de saúde local, onde “os médicos ainda não estavam preparados para o problema e, durante uma semana, tinham estado a atender toda a gente sem cuidados especiais”, após o que outros casos dispersos “levaram a que a contaminação rapidamente se disseminasse pelo concelho”, explica Domingos silva, vice-presidente do Município.

Instalados esta madrugada os 70 postos de controlo, que vigorarão até 04 de abril, a Lusa percorreu esta manhã várias estradas na confluência de Ovar com os concelhos de Santa Maria da Feira e Espinho, e apurou comportamentos diferentes consoante a localização da fronteira.

Na Estada Nacional 327, entre Espargo, na Feira, e Arada, em Ovar, a GNR não usava máscaras e nem sempre cumpria um metro de distância para segurança no contacto com os cidadãos, mas solicitava comprovativos de morada a quem pedia para regressar ao território sob quarentena e obrigou a inversão de marcha mesmo a quem só queria ir tomar conta dos netos.

Um dos cidadãos barrados foi o empresário Pedro Cunha, que, vivendo em Souto, na Feira, tem uma oficina de reparações automóveis na Zona Industrial de Ovar e não contava com “aquele aparato todo, que nem nas fronteiras se vê”.

O que o mais o preocupa, contudo, é a situação “caótica” que poderá abater-se sobre a sua empresa, à qual foram confiados para reparação 20 carros que agora não podem sair das instalações para ser entregues aos proprietários, alguns em situação delicada por “terem bebés ou serem idosos”.

Pedro Cunha defende, por isso, que o seu sector de actividade devia ser considerado de primeira necessidade: “Espanha também está em quarentena e sou a favor disso, mas declarou que as oficinas são um bem essencial e ia abri-las com segurança e regras. Aqui em Portugal dizem que o automóvel não é um bem essencial e eu gostava de ver se esses senhores [que decidem] andam só a pé”.

Já na fronteira entre Rio Meão, na Feira, e Esmoriz, em Ovar, os guardas exibiam máscaras e luvas, mas o critério era mais confuso: a engenheira Joana Araújo não encontrara controlos às 07:00, fora a Ovar buscar o computador ao escritório e saía às 09:30 sem dificuldades; Felismina Gonçalves ia de bicicleta a casa dos pais, em Espinho, por estradas que não atravessam território de Ovar, e teve que voltar para trás ao ser barrada pelos agentes.

Na mesma zona também circulava de bicicleta Manuel Cunha, que acha o controlo geográfico imposto a Ovar “um bocado exagerado” e considera que o presidente dessa autarquia “abriu a boca um bocado demais” em termos de alarme.

O sexagenário diz que desinfecta as mãos “muito amiúde” e que se deixou de abraços e beijos, mas defende que “a calamidade ainda não é tão exagerada” e receia que algumas entidades patronais se possam “aproveitar disto” para dispensar funcionários.

Já a estudante universitária Diana Ferreira, que seguia as operações da polícia em pijama a partir do alpendre de casa, aceita bem a situação. Diz que a quarentena é a melhor maneira de conter a propagação da Covid-19 e encara o controlo das fronteiras como uma alternativa aos dias fechados em casa com “algumas tarefas da escola, exercício físico, a desenhar, com maratonas de filmes e séries, e jogos com a família”.

Noutra fronteira mais próxima do nó da autoestrada A29, no entroncamento de Esmoriz junto à fábrica Cordex, os agentes que controlavam o trânsito mostravam-se bem protegidos, falavam com os automobilistas a maior distância e aceitaram poucas argumentações.

“Volta tudo para trás e nada de entrevistas aqui sequer, para a área ficar desimpedida”, dizia uma agente.

Mais adiante, no entroncamento da Estrada Nacional 109 onde a freguesia de Paramos, no concelho de Espinho, toca com a de Esmoriz, em Ovar, as medidas de distanciamento eram cautelosas, mas as autorizações nem sempre cumpriram o espírito da quarentena imposta pelo estado de calamidade.

Uma condutora de moto, que não teve tempo de se identificar para aproveitar a mudança de semáforo, teve autorização da GNR para cortar a fronteira e contou o argumento que usou para isso: “Sou do concelho de Espinho, mas preciso fazer compras de supermercado e deixaram-me passar”. A autorização foi para que pudesse aceder a um supermercado em solo de Ovar.

Ao lado, os funcionários das bombas de gasolina não gostaram: “A uns não deixam passar para irem trabalhar mesmo que o pessoal fique sem ganhar [salário] e a outros, de fora, deixam-nos vir cá fazer compras quando na terra deles [em Espinho] não faltam supermercados?”

Contactado várias vezes pela Lusa, o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, não esteve disponível. Já Joaquim Pinto Moreira, que terça-feira ativou o Plano Municipal de Emergência de Proteção Civil para o concelho de Espinho, diz que essa permeabilidade entre os dois concelhos “não é bom sinal e [que] o controlo tem que ser muito mais apertado”.

Isabel Garcia foi uma das residentes de Maceda, em Ovar, que teve que explicar à GNR o motivo das suas deslocações no interior do próprio concelho e, explicando à Lusa que andava a tentar comprar o peixe que já não encontra nos supermercados, classificou a quarentena imposta como “horrível”.

“O meu marido era o pilar da casa para pagar as coisas, vai receber metade do dinheiro [do seu salário], as contas continuam [a aparecer] e estou um bocadinho pessimista, mas vou esperar que Deus nos ajude”, declara. Se concorda com o controlo policial? “É justificado, sem dúvida, porque senão, vamos morrer todos”, responde.

Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou hoje o número de casos confirmados de infecção para 642, mais 194 do que os contabilizados na terça-feira. No entanto, este número baseia-se na confirmação de três casos positivos nos Açores, mas a Autoridade de Saúde Regional, contactada pela Lusa, sublinhou serem dois os casos positivos na região e adiantou estar em contactos para se corrigir a informação avançada pela DGS, baixando assim para 641.

De acordo com o boletim sobre a situação epidemiológica de Covid-19 em Portugal, divulgado hoje às 12:00, desde 01 de janeiro foram registados 5.067 casos suspeitos.

Segundo a DGS, há 351 (eram 323) casos a aguardar resultado laboratorial.

*Por Alexandra Couto (texto) e Estela Silva (fotos), da agência Lusa

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