Opinião

Ser ou Ter? O Fascínio das Marcas – Por Anna Kosmider Leal

Estou no meio do centro comercial, cercada por vitrines reluzentes, gente apressada, música animada e aquele cheiro de novidade misturado com desejo. Os meus olhos percorrem os logótipos das marcas, as camisolas no expositor, as sapatilhas na montra e os perfumes que prometem adoçar a minha imagem. Sinto que não lhes pertenço, que há um muro invisível entre mim e tudo isto.

No bolso, o dinheiro não chega. Sei disso, mas cá dentro cresce uma vontade: quero ser vista, reconhecida, valorizada. Pergunto-me se, ao comprar algo de marca, vou conseguir esse objetivo, sentir aquela confiança que vejo nos anúncios ou nos amigos que as exibem. O preço pisca, desafia, e a minha cabeça começa a negociar comigo própria: será que vale a pena? Talvez consiga se poupar este mês? Talvez escolha uma só peça?

Cresce um nó na garganta — o medo de ficar de fora, de parecer menos, de não acompanhar os demais. A razão diz que é só um objeto, uma marca, mas a emoção grita que é mais do que isso: é aceitação, é identidade. Penso, repenso, hesito. Não quero estar sempre à margem. Comprar, só um pouco, talvez me faça sentir parte do grupo e elevar o meu valor, mesmo que por uns instantes.

No fundo, no meio das luzes do centro comercial, procuro alguma coisa que me faça sentir especial.

Num mundo onde a publicidade nos envolve por todos os lados, o consumismo tornou-se mais do que um mero hábito — é um palco de afirmação social, aspiração e identidade. No coração deste fenómeno late uma obsessão: a procura incessante por produtos de marca. Mas porquê este fascínio? O que nos leva a medir o nosso valor através do que compramos?

Desde as primeiras civilizações até à sociedade globalizada de hoje, a relação do ser humano com os objetos que possui sempre foi muito mais do que utilitária. Se antes um objeto era símbolo de sobrevivência ou ferramenta de trabalho, a modernidade atribuiu-lhes um papel novo — o de símbolos. Com a Revolução Industrial, a avalanche de bens acessíveis gerou novos desejos e, com eles, nasceu o branding: um passaporte para o reconhecimento e a pertença.

As marcas deixaram de ser assinaturas de garantia e passaram a ser bandeiras de estilos de vida. São elas que nos dão entrada para certos grupos, que nos posicionam socialmente, que alimentam sonhos e imaginários. Comprar um produto de marca, nos dias de hoje, é um ato carregado de significado: uma declaração pública de quem somos, de quem ambicionamos ser. Somos, também, cutucados constantemente por campanhas de marketing engenhosas, criadoras de desejos por vezes utópicos, de modas passageiras e de necessidades construídas.

A antropologia lança luz sobre esta dinâmica: nós, seres sociais, procuramos pertença e reconhecimento. A teoria da identidade social explica que nos vemos refletidos nos grupos a que aspiramos pertencer, e para isso seguimos os códigos — um deles é o consumo visível. Não surpreende, por isso, que o valor pessoal seja frequentemente confundido com a posse de bens, reflexo de uma cultura mediática que associa sucesso à imagem.

Contudo, esta corrida frenética ao consumo tem consequências profundas. O planeta ressente-se da exploração de recursos, trabalhadores veem-se esmagados por lógicas produtivas implacáveis — e nós próprios ficamos reféns de uma constante inquietação: será que tenho o suficiente? Será que sou aquilo que pareço?

É, pois, urgente repensar o consumo. Mais do que nunca, precisamos de um olhar crítico, de abraçar a compra consciente, de valorizar a durabilidade sobre a moda, a necessidade real sobre o impulso. Ser humano é mais do que possuir; é saber escolher o que importa. O futuro, sustentável, agradece.

 

Anna Kosmider Leal, Antopóloga

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