Opinião

Acordar para viver ou acordar para trabalhar? – A propósito da semana de quatro dias de trabalho

A conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal não é algo de novo, vem do tempo da industrialização. Há um efeito bi-direccional da vida pessoal e da vida profissional (ex.: faltar a uma reunião porque o filho está doente ou faltar ao aniversário do filho por causa de uma reunião). Mas a interferência da vida profissional na vida pessoal é superior. Daí que o que mais comprometa hoje um colaborador a uma empresa é saber que os líderes se preocupam com o seu bem-estar pessoal.

Num teste feito na Islândia, entre 2015 e 2019, em que as pessoas trabalhavam apenas quatro dias por semana pelo mesmo salário, verificou-se em muitos casos um aumento da produtividade. Os trabalhadores sentiram uma diminuição do stress e risco de burnout, uma melhoria de saúde e de conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal, mais tempo para a família, hobbies e tarefas domésticas.

Acrescente-se uma melhoria dos padrões de sono, de exercício físico, alimentares e de estimulação sensorial. São precisos eixos reguladores no dia a dia e as refeições, os passeios e as conversas são para isso excelentes. No dia a dia agitado que as pessoas têm vivido, sentem muitas vezes medo de parar. Muitos até medo do silêncio.

Por outro lado, muitas famílias dizem que já não sabem conversar. Não têm assunto. E que por isso precisam da televisão, do tablet ou do telemóvel para estimular a conversa. A principal vantagem da semana de trabalho de quatro dias é a “reaprendizagem” e “transformação humana”. Coisas simples como apreciar a brisa do mar, o chilrear dos passarinhos ou quem se convida para almoçar connosco na esplanada, passam completamente despercebidos porque o foco é o smartphone. E este smartphone está a alterar a forma de processar a informação. Hoje é preciso reaprender a ser contador da verdade, testemunha do real e do autêntico através da acção. Numa fase inicial a mesma situação pode ser perspectivada como desvantagem pois haverá certamente um stress inicial associado à criação de novos hábitos e funcionamento da sociedade.

Dividir cada dia em 3 períodos idênticos: 8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso. Há uma sociedade sobremedicada para as insónias. Uma das estratégias simples e económicas para este flagelo passa por promover um quotidiano de qualidade em termos de interacções sociais, interesses, motivações e actividades que gastam a respectiva energia à disposição. Um bebé dorme quando está agitado, com medo, nervoso? Então como é que um adulto quer dormir como um bebé quando está agitado, com medo, nervoso? E sem um bom descanso, toda uma miríade de coisas podem acontecer: discussões, erros, precipitações, nada convenientes até para o trabalho.

Nunca houve tantos pedidos para ajudar as empresas a promover a saúde mental nos seus colaboradores, desde que a pandemia eclodiu. E desfaça-se dois mitos: o primeiro, de que as perturbações mentais são menos graves do que as físicas; o segundo, que o investimento em saúde mental é um custo para as empresas. Como foi alertado em Davos, a saúde mental é um imperativo económico e social. As empresas perdem milhões de euros devido à baixa produtividade, elevado presentismo e absentismo, elevado consumo de álcool, drogas e ansiolíticos, acidentes por erros, conflitos e não retenção dos colaboradores. Já para não falar no impacto que um único suicídio tem numa empresa.

Incentivar sonhos. Cada vez mais as pessoas têm dificuldades em exprimir os seus sonhos, como se tivessem perdido a capacidade de sonhar. Parece que o discurso que recebem pela televisão, nomeadamente no que se refere à economia, mata os seus sonhos. E o sonho pode ser começar a fazer piqueniques ao fim de semana, ter mais um filho ou mudar o destino das férias. É muito importante a empresa incentivar a conquista dos sonhos nos seus colaboradores porque são eles que implicam compromissos, concretizações, satisfações, necessidades, expectativas e interesses diferentes por parte de cada um ao longo do tempo. A intervenção psicológica é feita ao nível do planeamento, monitorização, análise e revisão sistemática dos sonhos da pessoa. Actua-se ao nível das condições e resultados numa lógica de contínua melhoria integrando as várias dimensões da pessoa.

Marta Pimenta de Brito (psicóloga)

Psicóloga Doutorada Especialista Clínica e do Trabalho com consultório privado no Centro de Lisboa, é Cientista Clínica em multinacionais americanas, é Membro da Comissão de Saúde Mental do Health Parliament Portugal, é Professora Convidada em Universidades Portuguesas e Estrangeiras e foi recentemente Mentora na Comissão Europeia no Hackathon EUvsVirus. Licenciada em Psicologia pela Universidade do Porto, Doutorada em Acesso à Saúde Mental pela Universidade de Zurique e Pós-doutorada em Retenção de Pacientes pela Universidade de Harvard, conta ainda com formação executiva em Comunicação e Media pela Universidade de Harvard, tendo sido eleita uma das best spokesperson Europe por Bruxelas. Fala fluentemente alemão, inglês e espanhol, tem uma vasta lista de publicações científicas, bem como uma presença assídua nos media e em conferências internacionais, e a sua paixão é ajudar pessoas e organizações a atingir o seu bem-estar. Em Julho de 2020 participou no maior debate sobre saúde mental em televisão no Programa Prós e Contras da RTP: Saúde Mental…A Epidemia Oculta.

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