
A fiscalidade, quando bem orientada, pode ser um instrumento de política pública capaz de alinhar incentivos económicos com objetivos ambientais e sociais. É por isso que a decisão de terminar, no final de junho, a aplicação da taxa de IVA reduzida de 6% sobre equipamentos de eficiência energética e tecnologias de energias renováveis, representa um retrocesso na trajetória de transição energética que Portugal tem vindo a construir.
A medida atualmente em vigor, e cuja reversão está confirmada, procurou, com legitimidade, incentivar a adoção de tecnologias limpas através de um mecanismo simples: tornar a escolha sustentável também a mais acessível financeiramente. A lógica é clara e sensata: quando o estado reduz a carga fiscal sobre equipamentos como painéis solares, bombas de calor ou sistemas de climatização reversíveis, não está a conceder um privilégio arbitrário, mas a investir na mitigação das alterações climáticas, na redução da dependência energética e na diminuição das faturas energéticas das famílias.
A eliminação desta taxa reduzida, ao encarecer estes equipamentos em 17%, representa um desincentivo à sua adoção. As consequências serão duplas: por um lado, atrasará a renovação do parque habitacional em direção a soluções mais eficientes; por outro, penalizará as famílias de rendimentos mais baixos, que mais beneficiariam da redução dos custos energéticos a longo prazo.
É, portanto, necessário prorrogar a taxa reduzida, bem como alargá-la. Todos os eletrodomésticos classificados como nível A em eficiência energética, segundo os critérios harmonizados da União Europeia, devem beneficiar de uma taxa de IVA reduzida de forma permanente. Frigoríficos, máquinas de lavar, fornos, entre outros, representam uma fatia significativa do consumo energético doméstico, pelo que ao tornar os equipamentos mais eficientes financeiramente mais atrativos, o estado pode criar um ciclo de redução de emissões, poupança energética e estímulo à inovação industrial.
A viabilidade orçamental de tal medida é defensável. Primeiro, porque se trata de uma renúncia fiscal com retorno: consumidores com menores faturas energéticas, menor pressão sobre os apoios sociais e redução da pegada energética do país. Segundo, porque Portugal já enfrenta os custos da inação climática em múltiplas frentes através de eventos extremos, degradação dos recursos hídricos e dos ecossistemas. Investir na eficiência energética através da fiscalidade é, neste contexto, um ato estratégico.
Além disso, a orientação da política fiscal deve acompanhar os compromissos climáticos assumidos no contexto europeu e internacional. O próprio Pacto Ecológico Europeu e os planos de descarbonização exigem uma convergência entre instrumentos fiscais e metas ambientais. A manutenção do IVA reduzido para equipamentos mais eficientes deve ser lida como parte dessa convergência.
A DECO e a AICCOPN alertaram, e com razão, para o impacto da reversão da medida. Mas os seus alertas devem ser ampliados por uma exigência mais ambiciosa: que Portugal institua uma política fiscal ecológica coerente, transparente e orientada para resultados. Isso implica criar mecanismos permanentes, e não apenas temporários, de incentivo à transição energética.
Se a fiscalidade deve refletir os valores da sociedade, então cabe perguntar: faz sentido tributar à mesma taxa um eletrodoméstico que desperdiça energia e um que a poupa? A justiça fiscal exige diferenciação positiva e essa diferenciação deve privilegiar os comportamentos que beneficiam o coletivo.
Estamos num ponto em que as decisões políticas devem ser julgadas não apenas pela sua racionalidade económica de curto prazo, mas pela sua coerência com os desafios pelo que manter e, na minha opinião, expandir o IVA verde é importante ambientalmente, mas também uma escolha política que articula justiça social, inovação económica e responsabilidade intergeracional.
Diogo Fernandes Sousa
Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”
Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget de Vila Nova de Gaia