Opinião

“Memórias” de quando Abril chegou à Escola Preparatória de Alexandre de Sá Pinto – José Lopes

Evocar o 25 de Abril de 1974 é inevitavelmente lembrar o derrube de uma ditadura, o fim dos tiranos que perderam as alavancas do poder, o colonialismo que foi derrubado pela emancipação dos povos oprimidos após uma dolorosa guerra colonial, a polícia política que foi desmantelada e os pides presos, os prisioneiros políticos libertados, a censura abolida, a banca nacionalizada tal como empresas e indústrias estratégicas.

E é ainda, lembrar a alegria, o entusiasmo e a força de um povo, que em defesa e consolidação da democracia, assumiu em mãos a conquista de direitos e liberdades que acabaram inscritos na Constituição da República como a ordem democrática saída do 25 de Abril que assinalou este ano o seu 40º aniversário com todas as revisões de que já foi alvo.

Mas evocar Abril é também trazer à memória conquistas extraordinárias e recheadas de emoção de um povo que nas últimas décadas tem resistido ao retrocesso social e económico, liberdades e garantias, como poderíamos incluir a atual realidade de hoje da Escola Pública, depois do processo revolucionário em que se iniciou a construção da escola democrática, alicerçada em valores tais como a igualdade de oportunidades (de acesso) para todos, a liberdade e a justiça social, assim como uma certa ideia e exercício de autonomia das escolas, que se perdeu no tempo sem nunca ser uma realidade.
Evocar a revolução dos cravos é igualmente recordar um dia primaveril recheado de esperança, que só nos dias seguintes se começou alastrar à província, contagiando as populações com a festa da liberdade proporcionada pelo movimento das forças armadas.

E são as memórias destes dias de Abril de 1974 vividos na então Escola Preparatória Alexandre de Sá Pinto (atual EB António Dias Simões) que sinceramente deixam saudades, mesmo que, no exato dia 25 de abril de 1974 o único tema a merecer atenção, tenha sido a discussão sobre o uso e finalidades do caderno diário no Ciclo Preparatório.

Despertos os vários setores da sociedade para as janelas e portas que se abriram com os ventos de liberdade e exercício de democracia desde logo entre as classes trabalhadoras. Os professores desta Escola (funcionava à época no edifício do antigo Hospital de Ovar com uma secção em Esmoriz), começaram então a dar os primeiros passos para uma intervenção ativa no processo revolucionário na defesa da escola democrática. A 3/05/1974 foi aprovado um telegrama a enviar à Junta de salvação Nacional com o seguinte teor: O Corpo Docente da Escola Preparatória de Alexandre Sá Pinto saúda o Movimento das Forças Armadas e decidiu por maioria não apoiar a eventual continuação do Professor Veiga Simão como Ministro da Educação Nacional. Os professores reunidos sugerem que o cargo de Director seja da escolha do Corpo Docente.

Nesta conformidade e atendendo ao espirito democrático e demais qualidades exigíveis apoiamos por unanimidade que o actual Director continue a exercer as suas funções. Pedem que seja revisto o Estatuto do Pessoal Docente com a efectiva participação dos professores.

Alguns dias depois, numa dinâmica de intervenção que refletia claramente o fim do medo em meio escolar, o Corpo Docente decidia enviar ao Ministro da Educação e Cultura um documento solicitando que fosse posto fim à injustiça da lei vigente, para com os professores provisórios, propondo que estes “possam beneficiar das regalias dos professores efetivos”. Solidariedade de classe cada vez mais ausente nos tempos que correm. Espirito interventivo que levava a que em julho já se discutisse a “definição da gestão democrática da Escola e sua concretização neste estabelecimento de ensino”, bem como a recondução de todos os professores, com habilitação académica, “sem ser necessário apresentar o requerimento de recondução”. Discutia-se ainda que a categoria de efetivo fosse dada a todo o professor com habilitação completa, “5 anos de serviço e com a frequência de cursos de reciclagem”.

Na composição do novo órgão de gestão das escolas após Abril, Comissão de Gestão, eram representados através de eleições, os professores, pessoal auxiliar, pessoal administrativo, alunos, pais e encarregados de educação. A curiosidade é que destes membros das comunidades escolares e educativas, os não docentes viriam entretanto a serem afastados dos órgãos de gestão, regressando só através do decreto-lei nº 115-A/98 que consagrou representação no Conselho Pedagógico (entretanto negado) e na então Assembleia de Escola (atual Conselho Geral).

No final do ano letivo marcado pelo ritmo da revolução, surgia em cima da mesa para debate a “classificação dos professores” que viria a merecer do Corpo Docente desta Escola de Ovar uma posição apontando a extrema urgência de, “criação de nova legislação adequada a uma efetiva democratização da vida escolar”.

Já em finais de julho de 1974 e na perspetiva de um novo ano letivo, o Corpo Docente tinha a visão de defender que os alunos por turma, “não deveria exceder os 20”. Novo ano letivo que começava com preocupações sobre a colocação dos professores, e em que, surgiam episódios como o da mãe de uma aluna que discordava da maneira como estava a ser feita a politização. Mas o fim do ano de 1974 ainda seria marcado por uma proposta do Corpo Docente que corajosamente aprovou uma proposta sobre as razões para, “suspender as atividades aos alunos a partir de 2º feira 9/12/1974, continuando nós professores, a trabalhar para nos prepararmos condigna e pedagogicamente”. Uma decisão que acabou sem efeito na sequência da reclamada recondução dos professores, mas que seria apenas o início de um longo e prolongado ciclo de sucessivos episódios sobre o papel da escola no país de Abril, que se viria arrastar até aos dias de hoje, com políticas para a educação em função de cada governação nestes 41 anos após o 25 de Abril, em que continuamos a procurar caminhos, assim as memórias não se tornem efémeras, mesmo as de Abril naturalmente, para que seja possível o candente debate no interior das escolas e da sociedade em torno da ideia de uma Escola Pública de qualidade e democrática, orientada para o desenvolvimento das pessoas, como objetivo final que verdadeiramente deveria interessar.

26/04/2015
José Lopes

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